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sexta-feira, 11 de março de 2011

DESCONHECIDOS - 49 (Conto)

DESCONHECIDOS – 49

Rangel Alves da Costa*


Num segundo o passarinho desapareceu nas águas. Bastou que os dois pescadores comentassem sobre a sua aparição já sem vida para que ele sumisse numa panela do rio.
Climério se despediu com o entardecer já alto, com o tempo já começando a ficar mais escurecido do que avermelhado. Não morava muito longe, contudo não gostava de enfrentar as águas com noite já descida, já pronta para jogar sobre a terra seus encantos e mistérios.
Ninguém que vivia por aquelas beiradas duvidava de que o rio tinha um pacto diferente, muito estranho com a noite. Quem morasse por ali, ao menos uma vez já tinha vista alguma coisa misteriosa e amedrontadora acontecendo ou no leito ou na margem do rio.
O que ocorria ali não era coisa simples não, besteira de tanto se ver que já parecia coisa normal. Não era o nego d´água que todas as noites vinha dar seus mergulhos; não era o barquinho dos falecidos e à procura de vivos que passava por ali de vez em quando, sempre à meia-noite; não era o enorme rabo de peixe que ficava batendo nas águas até o rosto de mulher aparecer linda e sorridente, enfeitiçando quem ficasse enamorado; não eram as velas que passavam acesas por cima das águas; e nem eram os prantos doloridos que se ouvia em madrugadas de lua escondida.
Não era nada disso, mas sim acontecimentos inexplicáveis e desconhecidos até mesmo para aqueles que viviam ali e conheciam tudo que acontecia ao redor. Cada um contava ao seu jeito, ao seu modo, mas sempre dando uma versão diferente para o mesmo fato.
Zequinha da Toca jurava por Deus ter saído do barraco na madrugada, caminhando em direção ao pé de coqueiro para urinar, quando viu se formar à sua frente uma verdadeira manhã ensolarada, com pessoas tomando banho, outras deitadas nas areias das margens e ainda outras caminhando com uma perna só, sem a cabeça ou só a cabeça falando sem o restante do corpo. Todas pessoas desconhecidas, sem demonstrar nenhuma alegria, sem um sorriso sequer.
Cacilda, coitada, ainda mocinha, na melhor idade de se aproveitar a vida, nunca mais falou depois do susto que tomou ao abrir a janela do barraco e olhar pra fora tentando enxergar os encantos da noite. Gostava de olhar para fora e ver se algum cavaleiro sorria na cara da lua. Mas o que viu foi de um espanto só.
Em plena madrugada, uma procissão percorrendo as margens do rio, com pessoas segurando velas acesas nas mãos e entoando cantos desconhecidos e com letras incompreensíveis. Na parte dianteira do acompanhamento, o padre e alguns fiéis, todos vestidos de branco, já cruzavam o rio, caminhando por cima das águas, em direção ao outro lado, em direção a uma igrejinha num alto dum monte, de portas abertas e toda iluminada.
O velho Corinto, um saudoso e inativo pescador de mais de oitenta anos, que agora mal conseguia andar arrastando uma bengala e toda meia-noite saía de seu barraco para ver se o barquinho dos mortos surgia nas águas para lhe levar, pois o seu maior desejo agora era que a embarcação de sua vez chegasse logo, quase morre mesmo foi com o que avistou no leito do rio.
Ao firmar o olhar para as águas não conseguiu avistar uma gota sequer correndo em toda aquela extensão. Era como se tudo estivesse secado e restassem somente pedras, garranchos e areia. Não havia uma poça d’água, um lugar molhado, nada. Pequenos animais corriam de um lado pra outro, procurando se esconder pelas moitas, embaixo de pedras ou nos buracos cavados na areia.
Mas o pior é que o velho, entre o susto e a perplexidade, continuava ouvindo os sons das águas correndo, das águas passando, naquele murmurar inconfundível de força da natureza. Não tinha dúvidas de que aquele som era das águas ora mansas ora furiosas, mas também não podia dizer que seu velho e experiente olhar mentia diante daquele cenário de deserto no leito do rio.
Tudo isso misteriosamente acontecia ao longo do São Pedrito. E tanta coisa acontecia que pessoas estranhas até poderiam dizer que se tratava de conversar de pescador. Mas não, era o próprio se preparando para o que pudesse acontecer mais adiante.
Embaixo de uma dessas luas imensas de noites encantadoras, ainda naquele fim de dia, João pescador repousava num banquinho diante do seu barraco com uma dose de pinga na mão, quando percebeu que um vulto se aproximava mais adiante.


continua...





Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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