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A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



quinta-feira, 25 de junho de 2015

BORBOLETAS NA JANELA


Rangel Alves da Costa*


Tempos difíceis são os tempos do homem que imagina avistar borboletas na janela.
Na ficção, em Cem Anos de Solidão, Garcia Márquez fez com que borboletas amarelas voejassem onde Meme Buendía e Maurício Babilônia estivessem. E também o dramaturgo Aguinaldo Silva em Pedra Sobre Pedra espalhou borboletas sobre o corpo de Jorge Tadeu e elas continuaram aparecendo no quarto de suas amantes.
Para além do realismo fantástico ou do maravilhoso na literatura e na dramaturgia, as borboletas surgem às janelas de vez em quando. Chegam para encantar a vida, para trazer cores em dias sombrios e tristes.
Nos interiores e povoações onde a pujança da natureza faz vizinhança com as moradias, não é difícil que borboletas ultrapassem portas e janelas ou pousem nos umbrais e depois adentrem para passeios pelas acomodações.
Nos grandes centros urbanos, nas cidades de cimento, asfalto e ferro, ninguém espere encontrar facilmente os encantadores insetos batendo suas asas multicoloridas. Elas não estarão nos umbrais nem pousando acima do porta-retratos.
Mas ainda assim, mesmo não havendo um só jardim, praça ou canteiro pelos arredores, muita gente cada vez mais busca o encantamento das borboletas nas janelas.
Mesmo em locais sem janelas, em apartamentos que mais parecem cubículos, em aposentos sem contato nenhum com a natureza ou mundo lá fora, pessoas insistem em avistar borboletas nas janelas.
Talvez seja a síndrome da ilusão como fuga ou a fuga através do idílio, da fantasia, do inexistente. Algum sábio certamente diria que o homem finge avistar aquilo que o seu medonho mundo não mais permite ter, ver ou sentir.
Nos tempos modernos, duros como o ferro e frágeis como a ferrugem, a visão das borboletas possui uma simbologia tão dolorosa quanto encantadora.
Dolorosa porque uma necessidade espantosa de encontrar qualquer coisa que cause uma boa sensação aos sentimentos. É como se o homem precisasse encontrar um encantamento à vida a qualquer custo. Daí o encantamento com a simbologia das borboletas na janela.
As borboletas não estão ali, não podem estar nem jamais estarão naquele lugar, naquele umbral de janela, mas é tão grande a necessidade de encontrar e se encantar com qualquer coisa bela, que o ser humano acaba avistando aquelas cores maravilhosas nas asas que alegremente valseiam.
Não há janela, não há umbral, não há borboleta. Talvez um quarto sombrio, escuro, melancólico, triste, sem a possibilidade de se avistar qualquer coisa que se faça presente pelo ar. Contudo, em instantes e situações assim é que as borboletas costumam aparecer como mais cores e mais beleza.
O distanciamento do homem moderno das pequenas e belas coisas da vida, o afastamento deste homem da natureza e, consequentemente, sua vida totalmente direcionada ao maquinismo burocrático da sobrevivência, certamente que o faz perder a sensibilidade perante as coisas simples que provocam bons sentimentos e alimentam a alma e o espírito.
Contudo, chega um tempo que o homem se sente sufocado, oprimido, aprisionado, sem saída, necessitando urgentemente de liberdade para reencontrar-se e novamente poder sorrir, brincar, realmente viver. Mas nem sempre é possível a ruptura entre este e as exigências do mundo. Ao se sentir aprisionado, então começa a avistar borboletas na janela.
Os olhos precisam encontrar uma bela paisagem, algo confortante à alma, que cause sensações de paz e de libertação. Mas os muros do mundo não permitem. Então avista borboletas na janela. Precisa caminhar, correr, subir montanhas, se refrescar sobre a relva, declamar a poesia da natureza. Mas as portas não se abrem para que assim aconteça. Então começa a avistar borboletas na janela.
Numa síntese, as borboletas na janela seria a metáfora da realidade desejada ante a dolorosa realidade vivenciada. O homem quer ser feliz, quer se libertar, quer alcançar o comum da vida, quer reencontrar as graças e as grandezas da vida, mas a sua realidade opressora não permite. Então começa a fazer da ilusão, da imaginação e da fantasia, uma janela.
E avista borboletas esvoaçando alegres ao olhar em direção à janela. Certamente que não estará enlouquecendo e nem precisará ir até lá verificar como aquilo pode ser possível. Todas as respostas estão dentro de si. Precisa avistar borboletas, simplesmente assim.
Precisa avistar borboletas para que os sonhos não se percam, os desejos não adormeçam, as alegrias não se percam, o seu lado humano continue vivo e pulsante. Nas borboletas a sensação de que é preciso viver para que as ilusões se tornem realidade além da janela e de tudo no mundo que não permita voar.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

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