SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



sábado, 13 de junho de 2015

LUGAR DE DOIDO (TAMBÉM)


Rangel Alves da Costa*


Bem verdade que ninguém pode se arvorar de ter o juízo perfeito, de viver no uso e fruição das plenas faculdades mentais. Tanto é assim que de vez em quando a pessoa tida como de mente sadia comete loucura tamanha de deixar indignado o verdadeiro doido de pedra.
Daí que plena razão na assertiva de que todo mundo é louco na sua capacidade de cometer loucura. Uns se desatinam a qualquer momento e até sem motivos, outros ainda toleram muito até ensandecer de vez. De qualquer modo, sempre perigoso demais conviver com gente assim. Mas o pior é que todo mundo é assim.
Contudo, ao lado dessa loucura social, indistinta entre todos, há ainda a loucura enquanto distúrbio mental. Desajuizado, doido, maluco, louco, tanto faz o termo que se use, ainda que a psiquiatria veja algumas sutilizas diferenciadoras. Seja de que jeito for, é no maluco reconhecido ou no chamado doido de pedra (ainda que não arremesse sequer uma flor) que reside um instigante mundo sempre desconhecido aos que vivem ao redor.
Já li em algum lugar que toda cidade que se preze há de ter um maluco para simbolizar o seu outro lado insano. Com razão, difícil não encontrar uma povoação onde não haja um doido conhecido e apontado por todos. Ah, o doido, o doido deve estar em cima da pedra grande fazendo careta a quem passe, deve estar trancado no seu quarto depois de ter conversado com os seres que povoam sua mente, deve estar agora de braços abertos querendo voar até a lua.
Doido, maluco, insano, era o que não faltava na povoação sertaneja onde nasci. Aliás, Poço Redondo talvez seja o município que melhor trata os seus doidos. Nada que se relacione com internação ou medicação especial, mas pelo tratamento cordial que cada desajuizado recebe. Não sei como são tratados os doidos de hoje, mas antigamente o afetado mental possuía convívio humanizado e afetuoso, ainda que suas retribuições de vez em quando fizessem um ou outro correr medrosamente.
Recordo, dentre muitos, de Tonho Bioto, Nalvinha e Tonho Doido. João da Bicha só dava para endoidar quando abandonava por uns tempos seus ofícios de mandingas e macumbas e se danava a beber cachaça. Transformava-se completamente, encontrado de vez em quando incorporado em entidades, mas sempre um caboclo cachaceiro. Não era de Poço Redondo, mas um dia chegou e foi ficando. Era muito procurado por gente que não tinha o que fazer e, ao invés de se voltar para as forças divinas, preferia ir encomendar maldades para desamores e desafetos.
Tonho Bioto não era doido, até endoidar de hora pra outra, e já no caminho de envelhecer. De família numerosa na região, morava sozinho numa casa de cipó e barro nos arredores da cidade. Vivia num pêndulo entre o equilíbrio e a perda total do juízo. De vez em quando se apresentava com aspecto normal, mas noutras vezes até perigoso e ameaçador. Falava muito sozinho, mas também agia de forma ameaçadora. Fato interessante é que seu estado de equilíbrio permitia que fizesse balas de mel ou açúcar e vendesse pela cidade. Conheço gente que comprava por medo e chupava tremendo as pernas.
Toinho Doido também não era da região, mas andante enlouquecido que chegou a Poço Redondo, foi bem acolhido e acabou fixando moradia. Era um negro alto, de dentes alvos e fortes. Tão fortes que mastigava pedra como se estivesse mordendo uma bolacha. Além do aspecto mental, também carregava em si o desatino de epilepsia. De vez em quando era atacado pela doença e ficava à mercê de um e de outro. E sempre era servido pela população, que até providenciou um quartinho para sua moradia. Aí viveu até se findar ainda novo.
Nalvinha foi contemporânea de Tonho Doido, e a rapaziada até quis fazer o casamento dos dois. Era moreninha, baixinha, simpática, mas sem um pingo de juízo na cabeça. Não jogava pedra nem ameaçava, mas de vez em quando era vista correndo de canto a outro. Outro que não era de Poço Redondo, mas de vez em quando estava por lá era
Há ainda Mané Doido. Mas Mané de Elenita não é doido. Hoje é um rapaz que simples continuou criança. No seu jeito simples de ser, atendendo a todos, correndo para ser prestativo. Uma pessoa querida de todos. Se todos os doidos fossem iguais a ele o mundo seria de paz.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

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