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terça-feira, 10 de janeiro de 2017

Palavra Solta - a cabeça do rei


*Rangel Alves da Costa


Por anos a fio e o sofrimento. Sem voz para reclamar, sem nada poder dizer sob pena de ser levado ao calabouço, o povo tinha de submeter aos constantes abusos do rei. Imposto para abrir a porta, imposta para andar pelas terras do reino, imposto para abrir a boca e falar, imposto quando encontrado supostamente meditando, imposto sobre o contentamento. Sim, um dos impostos mais caros recaia sobre a alegria. Todo e qualquer um que fosse encontrado alegre tinha de pagar altíssimo imposto. Mas também não podia entristecer, pois o imposto também não era barato. Corria o risco de pagar acumulação de impostos se reclamasse dos tantos impostos cobrados. Quando o coletor chegava, a única palavra deste era que o reino estava em esforço de guerra contra um poderoso inimigo. Mas qual inimigo, se o rei não tem coragem nem de confrontar um exército de mulas? Todo mundo se indagava, porém ninguém era doido de expor seu pensamento. Mas um dia, um pobre aldeão se dirigiu ao castelo pronto para dar fim àquela situação. Chegando defronte aos portões, gritou que os guardas fossem imediatamente cortar a cabeça do rei. Como ninguém foi nem foi avistada qualquer reação, o súdito foi abrindo caminho até chegar aos aposentos reais. Encontrou um rei triste, choroso, quase um molambo de gente. Quando o inconformado já ia levantando a espada em direção à cabeça real, o velho monarca pediu que lhe ouvisse por um instante. Disse que já não suportava mais ser acusado de cobrar tantos impostos dos pobres quando, na verdade, quem fazia aquilo e ficava com todo o dinheiro era uma meia dúzia de auxiliares seus. Mas nada podia fazer, pois ameaçado de ser jogado aos jacarés. E depois pediu que o súdito lhe cortasse a cabeça. Mas este se negou e pediu apenas que lhe repassasse a coroa real. Então, com a coroa, se dirigiu ao lugar mais alto do palácio e gritou: O reinado agora é do povo e ninguém vai mais pagar esses aviltantes impostos. Mas pensando se tratar apenas de mais uma manobra real, o povo acorreu furioso ao palácio e cortou a cabeça do rei. Não do verdadeiro, mas do outro. E tudo continuou do mesmo jeito.


Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com

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