*Rangel Alves da Costa
Supostamente descoberto pelos portugueses e
colonizado perante a gula da coroa lusitana, em nome de Vossa Alteza el-Rei, o
Brasil já nasceu raquítico, doentio, fragilizado. O escrivão da frota de
Cabral, Pero Vaz de Caminha, na sua famosa Carta já havia reconhecido o destino
da terra recém-descoberta:
“[...] E em tal maneira é graciosa que,
querendo-a aproveitar, dar-se-á nela tudo, por bem das águas que tem. Porém o
melhor fruto, que nela se pode fazer, me parece que será salvar esta gente”.
Referia-se ao nativo, ao índio visto como
pagão, mas observação que daí em diante se ajustaria ao próprio povo
brasileiro: uma gente descrente na força que tem e sempre entregue aos
colonizadores do poder de qualquer tempo. O índio foi tido como ímpio, herege,
mas o povo chamou para si a pecha de herege de suas próprias forças.
Por consequência dessa descrença ou inaptidão
à crença da força transformadora que possui, o brasileiro passou a ser sinônimo
de submisso, de inerme, de obediente ao algoz, de passivo na tomada de
decisões, de um alienado ou subserviente às forças do poder. Assim, um liberto
que nunca quis deixar os grilhões, um livre que permanece se comprazendo em
servir ao que lhe destrata e maltrata.
Se o nativo, crente apenas nos seus deuses da
natureza, à margem da cruz, da igreja e de qualquer crença imposta, foi tido
como verdadeiro arredio que precisava ser domado aos objetivos do colonizador,
e fazendo da religião uma das formas de imposição de obediência, logicamente o
branco espalhado na nova terra teria que se amoldar aos desejos colonizadores:
dever cega obediência e, assim, servir apenas como instrumento de uso aos interesses
da corte. Um povo assim dominado desde os seus inícios.
A colonização portuguesa foi apenas a
primeira forma de domínio. Sem falar na tentativa holandesa de imposição sobre
a terra, o que restou mesmo na população brasileira foi o hábito de ser contínua
e permanentemente colonizado. Colonizado internamente pelo poder, pela força
econômica, pela política, pelas influências e os interesses. Significa dizer
que o brasileiro se acostumou à submissão e escolheu permanecer na escravidão
mesmo após a abolição.
E uma colonização que nos dias atuais ainda
permanece escravagista. Ora, a maior parte da sociedade brasileira ainda vive
sob o jugo do poder, das forças políticas e dos interesses mais nefastos, a
partir de patrões que estão no pedestal da hierarquia social, e que são
governantes, políticos e outros afetos ao mandonismo. Do mesmo modo diga-se que
grande parte da população brasileira ainda vive como serviçal de engenho, sendo
açoitado a todo instante. Ainda vive sob a chibata e o grilhão, caçado e
acorrentado às imposições do poder.
Qual a liberdade de um povo que trabalha para
empobrecer, para sofrer, para viver na contínua desvalia? Qual a liberdade de
um povo cujo suor da luta é para a manutenção das benesses do poder, para pagar
tributos que em nada retornam ao seu proveito, para eleger representantes que
logo adiante se tornam em seus algozes? Qual a liberdade de um povo que não tem
segurança, não tem educação de qualidade, não tem perspectivas de crescimento
na vida, que sequer pode sonhar em se aposentar?
Contudo, um povo cujo sofrimento parece se
expressar de forma prazerosa, aceitável, de modo conivente. A verdade é que o
povo brasileiro quanto mais sofre mais gosta de sofrer. Ao longo dos anos foi
se tornando de uma vergonhosa passividade, aceitando indiferente tudo o que lhe
é imposto. Reclama e cala, esbraveja e logo silencia, rebate e depois aceita.
Nunca se vê discordar e se manter em discórdia. Nunca se vê a permanência além
de algum breve instante de descontentamento. Sai às ruas, levanta bandeiras,
bate panelas, grita palavras de ordem, mas em seguida já estará recolhido à
indiferença. E tudo continua segundo as ganâncias e os abusos do poder e do
mando político.
Sabido é que um povo que não contesta dá
parecer de aceitação. E isto é o que mais acontece com o brasileiro. O
contentamento maior parece ser apenas uma cesta de alimento doada, o
recebimento de algum benefício social ou qualquer esmola política. E nada mais
faz senão se entregar à preguiça, à ociosidade, à sonolenta morosidade. Ou faz.
Novamente vai às urnas para eleger aqueles que lhes açoita, esvaziam os cofres
da nação e se comprazem em figurar nas manchetes como corruptos, larápios,
verdadeiros ladrões.
Naqueles inícios, pois, via-se na falta da
religiosidade indígena um mal a ser combatido, de modo que fosse convertido à
fé colonizadora. Mas daí em diante a conversão de todos a uma escravidão que
ainda perdura. E perante uma população que aceita passivamente ser escravizada.
Ora, nunca tem coragem de dar um basta de vez à submissão.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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