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A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

A DONA DA SOLIDÃO


Rangel Alves da Costa*


Era dona da solidão. Mas também dona de perfumes, lavandas, óleos, essências, sabonetes, pós, ruges, batons. Sua penteadeira vivia repleta de Toque de Amor, Charisma, Alfazema Suissa, Lágrimas de Rosas, Rastro, Tabu, Sabonetes Eucalol e Phebo, Pó Compacto, dentre tantos muitos outros cosméticos e perfumarias.
Era dona da solidão. Mas também era dona de brincos, braceletes, pulseiras, pingentes, anéis, colares, diademas, enfeites dourados de todos os tipos. Seu armário sempre guardando camafeus, medalhas, cordões de ouro, e o que mais ternamente mantinha: um anel solitário e um par de alianças douradas.
Era dona da solidão. Mas também dona de muitos vestidos longos, conjuntos rendados, saias descendo em cascata, espartilhos, camisolas e calcinhas minúsculas guardadas em segredo. A não ser as roupas de baixo, as demais vestimentas com aspectos antigos, conservadores, parecendo próprias para uso em ocasiões muito especiais.
Era dona da solidão. Mas também era dona de seu mundo, de seu quarto, de sua janela, daquilo que quisesse fazer. Não tinha que dar satisfação a ninguém sobre os seus atos nem pedir permissão a quem quer que fosse para fazer o que bem desejasse. Sonhava com o que quisesse, saía e voltava a hora que bem entendesse. Mas difícil dar um passo adiante da porta. Vivia como enclausurada no seu mundo.
Ora, era a dona da solidão. Era a solidão em pessoa, com nome e sobrenome da solidão. Era até chamada da triste e solitária mulher da janela da rua das flores. Mas ainda assim uma bela mulher quando deixava que os olhares lhe vissem passar ou quando colhia flores no jardim ao amanhecer.
Mas por que tantas joias, tantos enfeites, roupas, perfumes, batons, espelhos, laquês e henês, vaidades e mais vaidades, se praticamente não saía de casa, não arredava o pé do seu quarto, e se satisfazia apenas com seus pensamentos, sua janela aberta ou entreaberta, ou mesmo as frestas estreitas?
Por que aquela mulher agia assim, praticamente vivendo no isolamento, na solidão dos dias e das noites, tendo apenas a janela como portal para o mundo externo? E por que fazia dessa janela um meio de realização para  tudo que lhe viesse à mente, a única forma de buscar contentamento para os seus momentos?
Impossíveis respostas para aquele jeito tão próprio e diferente de ser. Também ninguém sabe o que lhe vinha à mente todas as vezes que se esmerava diante do espelho, se perfumava com mil flores e colocava cada fio de cabelo no seu devido lugar. Batom vermelho, anéis brilhando nos dedos, pulseiras douradas nos braços, faces rosadas e cílios retocados.
Quem a avistasse após cada embelezamento, logo imaginaria que já estava atrasada para um grande baile, uma festa requintada. E não acreditaria quando percebesse o que ela fazia após tudo isso. Simplesmente se encaminhar para sua janela, cuidadosamente abri-la e ali se posicionar diante do mundo lá fora. E sempre com o olhar entristecido, distante, sem o brilho de diante do espelho.
Contudo, na maioria das vezes acontecia de modo ainda mais inexplicável. Depois de arrumada e perfumada, seguia até a janela e abria somente uma fresta num dos lados, e ali permanecia com o olho se esforçando para avistar qualquer coisa. Os minutos se passavam e ela ali em pé, quase inerte.
Apenas quase porque sua mão sempre levava um lenço aos olhos. E ao se voltar para o lado de dentro do quarto, sua maquiagem já estava praticamente desfeita pelas lágrimas derramadas. E depois abria gavetas, revirava papéis, segurava retratos, apertava sobre o peito antigos relicários. E se jogava na cama levando consigo uma fotografia.
E soluçando dizia que ainda haveria de avistá-lo chegando diante daquela janela. E dizia um nome. O nome de sua solidão.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

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