SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

AS CRAIBEIRAS E AS GARÇAS


Rangel Alves da Costa*


Por mais que se imagine o sertão como retrato moldurado pela tristeza e devastação, com a natureza melancolicamente sobrepujada pelas estiagens, há que se caminhar pelas suas estradas e paisagens para que o imaginário se transforme em festa e encantamento. Eis que a pujança da natureza ainda pode ser encontrada a qualquer instante.
Verdade que o retrato sertanejo não se mostra grandiosamente belo como desejaria o homem da terra, o forasteiro ali instalado e o visitante. As intempéries acabam enfeando as paisagens e a desolação dos dias esturricados tende a transformar em aflição o que deveria ser de admiração. Mas situações existem que a tudo transforma em verdadeiro paraíso.
Não obstante a sempre confirmada beleza do luar sertanejo; as instigantes indagações que surgem diante das flores majestosas, amareladas ou avermelhadas, que despontam nas pontas e galhos dos cactos chamuscados de sol; as quedas d’água que por encantamento surgem nas pedreiras da mataria; além de infinitas atrações que deslumbram os olhares dos visitantes, o sertão guarda outras surpresas de arrebatar e seduzir corações e mentes.
Coisas simples, costumeiras para alguns, maravilhamento para outros, mas a verdade é que em determinados períodos do ano a natureza se expressa de modo diverso e fascinante. E tudo surge como para demonstrar que a sua exuberância está em todo lugar, ainda que seja difícil imaginar um sertão tantas vezes sedento e faminto, castigado pelas estiagens, com as deslumbrantes cores das craibeiras em flor e o festim das garças brancas repousando em bando ou em revoada.
No sertão, as floradas das craibeiras e o surgimento de imensos bandos de garças brancas fazem o homem repensar sua presença em meio aquela vastidão de árvores entristecidas e pássaros cada vez mais recolhidos aos seus distantes ninhos e recantos. É um desafio ao pensamento e uma certeza que a natureza se faz pujante até mesmo onde não se acredita existir tanta vida.
Demonstrações desse tipo já eram possíveis nos cactos que nascem e florescem por cima das pedras grandes, como ocorre com as cabeças de frade; no descortinado verdejante que irrompe da paisagem cinzenta após qualquer pingo de chuva; e na própria sobrevivência do homem perante meio tão hostil. Mas as craibeiras e as garças brancas são diferentes, pois comparáveis ao florescimento das cerejeiras em distantes regiões e às revoadas passarinheiras nos beirais pantaneiros.
O florescer das craibeiras se torna a mais bela poesia matuta. Mesmo ainda distante, logo os olhos divisam aquelas cores majestosas tomando a copa das árvores defronte às moradias, casebres distantes, beiras de estradas, sempre se sobressaindo nas paisagens. Talvez vaidosa demais, mas a verdade é que as craibeiras gostam de crescer afastada de outras árvores, em local onde possam florescer e logo serem reconhecidas pela beleza de suas cores.
A partir de setembro, em plena estiagem, com tudo ao redor acinzentado e quando o clima começa a esquentar ainda mais, eis que as craibeiras desafiam a paisagem e irrompem com suas folhas amareladas. E basta o florescer imponente para que tudo se transforme ao redor, eis que as atenções não serão outras que não para a árvore símbolo da beleza em meio ao impensável. Daí também ser tão utilizada para ornamentar praças e canteiros de ruas.
E não obstante as copas douradas, revestidas de um amarelo tão vivo que chega a brilhar à luz do sol, o chão logo abaixo também se transforma num tapete de incomparável formosura. E o mais incrível é que as flores surgem desnudadas de folhas; ou seja, vão desabrochando junto aos galhos e tomam toda a copa das árvores, atraindo pássaros, borboletas, abelhas e principalmente o olho humano.
No mesmo período, entrecortando os caminhos sertanejos será possível encontrar outras cenas somente imaginadas em outras regiões, principalmente naquelas de fauna exuberante. No primeiro instante o viajante até duvidará do que avista adiante, supondo que seja algodoeiro aberto em flor e fazendo surgir uma imensidão de pontinhos brancos. Mas a aproximação logo revelará o inesperado: uma infinidade de garças brancas por cima dos arvoredos e, repentinamente, formando uma nuvem em revoada.
As garças brancas do sertão provocam um espetáculo inesquecível, principalmente àqueles que não esperam encontrar nas margens das estradas senão mandacarus, facheiros e xiquexiques. Mas de repente elas surgem de tal modo que causam um maravilhoso espanto. Em pleno semiárido sergipano, após o município de Nossa Senhora da Glória, a rodovia certamente revelará feições de um sertão deslumbrante.
Ali, às margens da estrada, nas copas das árvores, nas proximidades das lagoas, as garças brancas se mostrarão tão imponentes quanto a própria natureza. E, dependendo da estação, não demorará muito para que as craibeiras confirmem a grandeza que o poder divino reservou ao sertão.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com  

Nenhum comentário: