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terça-feira, 1 de abril de 2014

O TEMPO E A CIDADE


Rangel Alves da Costa*


O tempo não pede passagem para seguir nem espera que resolvam acompanhá-lo, apenas avança deixando para trás suas marcas. E quando situado no momento presente ou noutro momento futuro, eis que suas marcas enfim se revelarão como o sujeito jamais imaginou ter acontecido daquele jeito, com aquela feição.
O novo é tão diferente porque fruto de outro tempo e outra mentalidade. Contudo, o que é moda agora também era normalidade no passado, com a feição própria daquele momento. No passado, as ruas centrais de Aracaju eram tomadas por transeuntes com seus ternos de linho branco, chapéus panamás, todos numa elegância europeia. Mas hoje tudo diferente, principalmente nas vestimentas.
A cidade, com seu comércio, pessoas, moradias e edifícios, é um bom exemplo para sentir como o tempo vai transformando, modificando tudo. Tal percepção, contudo, pouca valia terá pela observação da cidade apenas no seu aspecto presente, na sua feição de momento. As mudanças somente serão sentidas quando lançado um olhar sobre o passado, procurando avistar como a cidade era e como se apresenta.
Não é difícil sentir o impacto entre o passado e o presente. Não só na arquitetura e na feição que se dá às novas construções, ou mesmo às antigas, mas também nos hábitos e costumes da população, nas suas usanças e relacionamentos. Basta olhar uma fotografia da Aracaju antiga ou mesmo de um passado recente, para sentir imagens contrastantes com o presente. No intuito da modernização, muitas empresas esconderam atrás de fachadas extravagantes prédios históricos de inigualável beleza.
Os velhos retratos em preto e branco não só guardam a memória da cidade como reproduzem fielmente suas feições, características e aspectos históricos e geográficos.  Aracaju era marcada por construções imponentes, de arquitetura primorosa, e não só nos grandes casarões como em edifícios públicos. A engenharia da época construía realmente para o futuro, porém sem imaginar quanto ingrato seria o tempo com a história da cidade.
O sólido parece haver dado lugar ao descartável. As atuais avenidas Rio Branco e Barão de Maruim eram os locais preferidos pelas elites para fixar moradias. E ali faziam erguer casarões imponentes, com mármores e pedras importadas, contornos do mais fino acabamento. Da atual Rua José do Prado Franco ao Palácio, as vias eram ladeadas por edificações igualmente suntuosas. A Secretaria de Saúde ou Palácio Serigy é um bom exemplo desse esmero arquitetônico. Mas nada igual ao prédio onde hoje funciona a Associação Comercial de Sergipe.
Com a passagem dos anos, o crescimento da cidade e a desintegração dos fortes núcleos familiares, tais edificações, por força dos esmeros na engenharia, permaneceram resistindo às mudanças, mas sem o zelo de outros tempos. Daí que muitos casarões passaram a resistir apenas pela solidez do passado. E muitos, com algumas reformas para preservação, ainda podem ser avistados como páginas vivas da Aracaju antiga. Enquanto outros simplesmente foram deteriorando ou reformados para ganhar características totalmente diferentes.
Mas não é fácil preservar a história arquitetônica de uma cidade. Muitas vezes, os edifícios e casarões antigos são fadados à destruição ou pelo desinteresse de seus proprietários em conservá-los com alto custo ou pelos empecilhos burocráticos impostos pelos órgãos que cuidam do patrimônio histórico e arquitetônico. Por consequência, é mais fácil uma fachada desabar a ter sua restauração autorizada. E prédios já fragilizados demais nem sempre esperam o aval para o seu devido reparo.
É neste passo que a cidade vai sendo modificada, perdendo sua feição anterior e adquirindo formas modernas. Contudo, como já afirmado, muitas vezes apenas de fachada, pois a construção antiga continua imperceptível, escondida por trás de tapumes e madeirites. Tal aspecto é observável nas lojas do centro da cidade. Fachadas modernas em prédios antigos, sobressaindo-se o fato de que basta levantar o olhar para encontrar, nos andares superiores, os prédios antigos em todas as suas formas.
Felizmente ainda é possível encontrar edificações antigas bem restauradas e em plena funcionalidade, ou mesmo casarões que ainda persistem com a grandiosidade e beleza de sua arquitetura original. E é a história familiar que permite que assim aconteça. Como tais casarões foram construídos por famílias tradicionais, emergidas numa abastada classe de latifundiários, empresários e senhores de engenho, como residência e demonstração de poder, ainda hoje há uma herança familiar preocupada em manter viva sua história.
Um exemplo de funcionalidade útil pode ser avistado no prédio da atual sede da OAB. O que antes era um casarão da família Rollemberg foi adquirido e preservado nas suas formas arquitetônicas originais. E continua lá imponente, com inigualável beleza.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com 

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