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segunda-feira, 17 de novembro de 2014

ESCREVER. E ESCREVER SEMPRE


Rangel Alves da Costa*


Todos os dias, pouco mais das três horas da manhã, ou ainda na madrugada, coloco a primeira palavra na folha e faço valer o provérbio latino: Nulla dies sine linea. Ou seja, nem um dia sem uma linha. E da palavra à frase, da frase ao contexto, e assim em diante vou construindo minha escrita.
Escrever tornou-se verdadeiramente uma necessidade. Assim como necessito do alimento, da água, do trabalho e do repouso, também necessito escrever para me dividir entre as palavras e os contextos. Dentro de mim não cabe baús, arquivos, bibliotecas nem livros grossos e envelhecidos. Dentro de mim não há mais lugar para guardar ideias, pensamentos, histórias e imaginários, então transformo tudo em escrita.
Já publiquei cerca de vinte livros, possuo tantos outros já prontos para publicação e textos que, reunidos, dariam muitos outros volumes. Mas por que escrevo e para quem escrevo? Não sei se compreenderão minha afirmativa, mas escrevo para mim, antes de tudo para mim. Se eu não escrever para mim também não estarei escrevendo para mais ninguém. Ou produzo para gostar do que faço ou ninguém gostará do que produzo.
Muitos certamente afirmariam que a escrita deve se voltar ao leitor. Lógico, mas primeiro passa pelo crivo do próprio autor. Creio que a primeira preocupação de quem escreve deve ser com a qualidade de seu texto e com as ideias nele contidas, e tais ideias nascem intimamente, da percepção de mundo e da criatividade do próprio escritor. Do contrário, a escrita se tornaria inútil como criação e servindo apenas como um amontoado de letras jogadas ao vento.
A preocupação demasiada com o leitor inibe a criatividade. Corre-se o risco de burocratizar a escrita e deixar de produzir algo que realmente desperte interesse. Creio que o inusitado, a invencionice e a fuga aos formalismos são primordiais na construção de bons textos. Aliás, os melhores textos são aqueles que se apresentam como originais, de modo que o leitor neles encontre algo que jamais suporia existir ali.
Também creio que não deve haver nenhuma preocupação com academicismos, com primazia linguística, obediência cega às normas cultas da língua. Ora, é criatividade, é exercício literário, e não teoria pedante e fria. Deve haver, isto sim, reinvenção da linguagem, liberdade para escrever, até experimentação de formas inovadoras para expressar melhor o conteúdo da escrita.
Pensar diferente seria negar a importância do realismo fantástico, das inovações linguísticas na escrita, do próprio Guimarães Rosa e tantos outros autores que fugiram da norma em nome da força expressiva do texto. Ademais, a escrita literária ou mesmo aquela disposta em crônicas e artigos cotidianos, deve refletir uma realidade de fundo, uma proposta de conteúdo, e não surgir nas linhas toda paramentada de terno e gravata.
Por isso mesmo que minha escrita é compromissada apenas com o instante e com o que surge à mente quando sento para escrever. E faço mais, pois misturo tudo e jogo na página. Escrevo artigos como prosa poética, escrevo crônicas com a linguagem do povo, faço do sério uma brincadeira, torno o cotidiano o seu ser sem enfeites. Crio personagens para exemplificar, romanceio tudo se desejo ser melhor compreendido. E não me importo se sou lido ou não.
E não me importo porque escrevo pra mim, porque uma parte de mim quer falar através da escrita. Escrevo porque gosto, porque necessito me expressar através da palavra escrita, porque o que penso não se apagará se estiver tingido nas páginas do tempo. No futuro, quando não mais existir o texto do dia, ainda assim estarei presente por aí, sendo lido ou não, mas existindo no eterno baú dos escritos.
Tudo aqui nasceu da primeira letra, da primeira palavra. E jamais silencio na vida. Daí que escrevo tanto. Na escrita, a voz sem pressa de ser ouvida. Mas ecoando sempre.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

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