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sexta-feira, 21 de novembro de 2014

JORNAIS VELHOS


Rangel Alves da Costa*


Parece mesmo que nada mais acontece de novo. Ao amanhecer e lançar os olhos sobre os impressos noticiosos sempre encontro jornais velhos, escritos já carcomidos pelo tempo, letras cansadas de se repetirem nas folhas entristecidas. A data é daquele dia, daquela manhã, mas tudo envelhecido e desde muito já conhecido. E tantas vezes os olhos já consumiram tanto aquelas notícias que o interesse e o senso crítico não se aguçam mais.
Estranho que assim ocorra, porém acontece com os jornais que são deixados na minha e na sua porta, que amanhecem nas bancas ou são levados por mãos esperançosas de algo novo. Nada de novo encontrará. E se naquele dia não houver circulação não haverá qualquer motivo para deixar de tê-los à mão enquanto sorve o primeiro gole de café ao alvorecer, pois basta ir ao baú dos escritos e de lá retirar qualquer diário ou periódico, mesmo com data de dez ou vinte anos atrás.
A data pode ser antiga, que o jornal tenha circulado num tempo em que a notícia escrita era o primeiro contato visual do homem com as informações bombásticas, as manchetes sensacionalistas, as chamadas suntuosas dos meandros do poder, as tantas tragédias do dia a dia, mas ainda assim tudo aquilo que poderia ser encontrado no último número de um jornal. E assim porque nada acontece de novo que já não tenha acontecido no passado, nada surge com tamanha novidade que já não tenha sido novo antigamente. E tudo se repetindo, sempre, num ciclo de acontecimentos que apenas aprimoram suas práticas. Mudam somente os nomes dos envolvidos.
Verdade que o tempo produz suas próprias notícias, eis que cada período histórico com sua própria feição, com acontecimentos refletindo aquele momento. Do mesmo modo, verdade que os mesmos acontecimentos não se repetem no mesmo contexto de causa e efeito. Contudo, a visão geral do acontecimento é o mesmo. E tanto é assim que muitas vezes o leitor até diz a si mesmo que já leu algo parecido em algum lugar, que aquele acontecimento não lhe parece estranho. Acaso uma manchete diga que a violência no trânsito está aumentando, tudo parecerá notícia apenas requentada. E também constantemente lida.
Assim acontece porque o novo na informação diz respeito apenas aos envolvidos, à dimensão do acontecimento e ao interesse que desperta. No mais, apenas uma notícia já tantas vezes repetida. Por exemplo, quantas manchetes sobre tragédias aéreas, eclosão de guerras e revoltas, golpes militares, surgimento de epidemias, desastres naturais e mortes já foram dadas? Desde os primeiros jornais impressos e assim continua.
São muitos outros exemplos neste sentido. Quando teve início a primeira grande guerra mundial os jornais noticiaram em manchetes quase gritando. Assim também com a segunda guerra, e do mesmo modo com as guerras modernas. Quer dizer, a eclosão de uma guerra não é mais novidade para ninguém, importando saber apenas o contexto em que ela se dá, quais os envolvidos, os objetivos e as possíveis consequências.
Quem está acostumado a ler jornais certamente dirá que já perdeu a conta de quantas vezes teve de se deparar com notícias envolvendo chacinas, estupros, assassinatos, roubos, corrupções, prisões de autoridades, derrotas e vitórias políticas, enfim, tudo aquilo que um jornal sempre noticia na primeira página. E assim ocorreu também na década de 30, 40 e assim por diante. Por muito tempo um jornal paulistano (Notícias Populares) fez fama como aquele que se fosse espremido escorreria sangue, e assim porque especializado em noticiar tragédias humanas. E o noticiário de hoje certamente faz escorrer o vermelho pela sarjeta.
Logo se vê, então, que os fatos são os mesmos, geralmente com maior gravidade, apenas se repetindo noutro contexto. As atrocidades praticadas por ditadores já ganharam quantas manchetes de jornais, bem como a situação de miséria humana nos países africanos, a devastação e o sofrimento causados pelas secas nos sertões nordestinos e os problemas da infância abandonada? Desde quando os jornais noticiam acerca da inflação, do desemprego, da violência, dos graves problemas sociais no Brasil e no mundo?
Tudo parece, pois, se repetir. E se repete. A violência ontem, a violência hoje; a fome afligindo ontem, a fome consumindo hoje; as ilicitudes administrativas de ontem, as improbidades de hoje; as mesmas corruptas práticas políticas, só mudando o nome do parlamentar. Como uma sentença do Eclesiastes, nada acontece de novo debaixo do sol. Daí que os jornais de hoje são os jornais de ontem e as notícias impressas mudam apenas nomes e circunstâncias, como se os textos fossem copiados de antigamente.
Contudo, se as notícias ruins, tragédias e bizarrices se repetem tanto e com maior gravidade, o mesmo não ocorre com aquelas manchetes prazerosas, desejadas, que causam contentamento ao leitor. Mas ainda assim na mesma pontualidade de outros tempos. Então logo se percebe que o mundo e a vida humana especializam-se cada vez mais em produzir infortúnios e não tem demonstrado nenhuma preocupação em criar fatos novos que sejam esperançosos e alvissareiros para todos.
O jornalista apenas transcreve o fato, dissemina a informação, mas cabe ao homem ser dono da própria notícia. E o que o ser humano anda fazendo que os jornais não informam seus grandes feitos no dia a dia? Alguma coisa está muito errada. E não é no jornal antigo nem no de hoje, mas naquele que faz o sangue escorrer ou o coração entristecer a cada manchete.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

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