SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

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terça-feira, 9 de dezembro de 2014

SOBRE FOGUEIRAS E VENTANIAS


Rangel Alves da Costa*


Nada mais forte, devastador e perigoso que o fogo. Tronco ou graveto aceso e transformado em chama, eis a labareda que espanta tudo.
A faísca, a quentura, o calor, a combustão, a chama, o fogo. Ali num canto de chão, sobressaindo no meio tempo, logo a fogueira será dona de tudo ao redor e ao longe se ouvirá seu rangido e se sentirá o seu calor fumacento.
A labareda aumenta e sobe enquanto as chamas devoram tudo ao redor. A noite se vê abrasada e agonizante, a brisa morre antes mesmo de ultrapassar a montanha, o fogaréu crepita voraz e chama para a morte a própria fumaça que sai de suas entranhas.
Como guerreiro da maldade, o fogo empunha sua espada e sangra os mistérios da escuridão. Com lâmina cortante na boca, lanha o silêncio do instante e faz surgir um bramido de dor. E que grito lancinante da madeira, do tronco de pau, ao ser devorado, abrasado, tomado de dor.
Todos temem o fogo impiedoso, todos evitam a fogueira feroz, todos desejam que tudo se transforme em cinzas. Mas mesmo as cinzas escondem brasas debaixo do pó. Tantas vezes o fogo apaga e tudo ainda fica queimando, correndo, destruindo por dentro.
O fogo nem sempre surge pelo desejo humano. Nem todas as vezes a mão humana junta restos e lança faísca. Situações outras fazem com que repentinamente surja já com a língua em chamas, crepitando, lançando labaredas pelo ar.
São os inusitados da vida, os inesperados do mundo, o que de repente surge sem que ninguém acredite que assim pudesse acontecer. Florestas inteiras são devastadas assim, incêndios terríveis devoram tudo sem que se tenha certeza de como tenha surgido a ponta de tamanha destruição.
Bem assim no ser humano, na vida. O homem caminha no seu outono de sempre, na sua tristeza de sempre, na sua angústia de sempre. Frágil demais, ressequido por dentro, de repente se vê tomado por labaredas terríveis. E tudo tão voraz que tende a destruí-lo em poucos instantes.
As dores da vida são como gravetos que não suportam qualquer calor, as perdas e desencontros na vida são como folhas secas diante do sol escaldante, os sofrimentos da existência são como papéis chamuscados em gás. Sequer precisam que alguém jogue um fósforo aceso ou aproxime um tição de fogo.
O silêncio humano irrompe em grito, a gota de lágrima se transforma em enxurrada, a dor íntima se torna o sofrimento de tudo. Tudo tem o instante de irromper, de extravasar, de tornar-se realidade. E na pessoa apenas triste o insuportável acontecendo. E acendendo a fogueira imensa, faminta, devoradora.
O fogo agoniza e grita, a fogueira se alastra, as labaredas tomam conta de tudo. Quem suporta sofrer em silêncio, quem suposta chorar sempre a mesma lágrima de dor, quem é sempre suficiente forte para sufocar o que não precisa ser extravasado? E como a calmaria não veio, o vento bom da esperança não soprou, então a fogueira se apodera de todo o ser.
Quando as fogueiras soltam suas línguas medonhas, dificilmente outra força consegue conter o seu avanço. As chuvas diminuem sua propagação, porém não dissipam sua força. E somente a ventania para debelar a voracidade. A força do vento avança perante o fogo com tamanho ímpeto que este acaba sem força de reação. E vai apagando.
Haveria uma ventania no ser humano que o protegesse toda vez que se sinta tomado por uma fogueira? Certamente que não precisa abrir a janela nem correr para o vento que sopra do lado de fora.
Éolo, o deus do vento, não surge diante do ser humano como um sopro de salvação. É a própria pessoa que deve se sentir com a força de um deus para afastar de si todas as fogueiras. E somente assim repousar confortado pela brisa suave do anoitecer.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

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