SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



domingo, 19 de julho de 2015

DUAS CIDADES


Rangel Alves da Costa*


Desde 1974 que me divido entre duas cidades: Aracaju e Poço Redondo. Em Poço Redondo nasci no mês de março de 63 e onze anos após tive de deixar o sertão para estudar na capital sergipana. Desde então fiquei dividido entre as duas localidades tão diferentes e contrastantes.
A bem dizer, fui quase forçado a sair de Poço Redondo. Naquela época, toda família que tivesse condições não pensava duas vezes em enviar os filhos para estudar num centro mais avançado e possibilitar o sonho de uma boa formação. Foi nesta perspectiva de estudo que tive de calçar sapato e abdicar da vida de menino sertanejo sem se preocupar em pisar espinhos.
Ainda hoje não me sai da memória aqueles doces anos da vida, de meninice vivida pelas ruas empoeiradas, de correrias pelos descampados, das brincadeiras pelo mato, no riachinho, debaixo do sol e da lua. Inesquecíveis a festança debaixo das chuvaradas, os amigos pulando cercas em busca de fruta madura, as brincadeiras com ponta de vaca e os jogos de botão pelas calçadas.
Cresci, quase envelheci, mas Poço Redondo não mudou muito. Não que não tenha se desenvolvido em muitos aspectos. Hoje a maior parte das ruas está asfaltada e a cidade cresceu pelos arredores. Naqueles idos se falava em ruas, Rua de Baixo, Rua de Cima, Praça da Matriz, e hoje existem bairros, conjuntos, uma feição totalmente diferente de antigamente.
Quando afirmo que não mudou muito é no sentido de minha visão pessoal sobre a cidade. Não consigo avistar Poço Redondo senão como aquela minha cidadezinha de antigamente, pois sempre procuro reencontrar aquele jeito singelo de viver, aquela feição de humildade entre todos, aquele lugar familiar e onde todos eram amigos, compadres e compartilhando os mesmos sonhos e esperanças.
Por isso mesmo que quando visito o meu berço de nascimento, ainda me vejo diante de uma cidade muito diferente da que se mostra agora. Na verdade, ainda me vejo menino e ainda procuro avistar os amigos conversando às sombras dos pés de pau, ainda quero encontrar o que não existe mais, ainda quero avistar a meninice correndo atrás de uma bola, jogando bola de gude, ainda quero sentir a humildade em cada porta e em cada feição.
Mas os tempos são outros. Poço Redondo foi tomada de forasteiros e mais da metade da população não tem qualquer raiz fincada no lugar. Muitas pessoas desconhecidas, vizinhos que não se conhecem, poucos os cumprimentos afetuosos. Ora, sou de um tempo de comadres e vizinhos pelas calçadas ao entardecer, velhas senhoras fazendo renda, debulhando feijão de corda, conversando sobre as doces amenidades na vida.
Talvez eu consiga viver o novo sem esquecer o passado. Sorte minha. Por mais que Poço Redondo se transforme, cresça e se desenvolva, ainda assim continuarei avistando meu lugar de antigamente, de um passado tão belo como cativante. O asfalto de hoje não me fará esquecido das ruas de paralelepípedo ou pedra bruta, os conjuntos de hoje não me farão esquecidos da cidade pequenina e com aquelas ruas de casas simples e portas sempre abertas.
Mas com Aracaju é diferente. Apenas vivo, apenas moro, mas não sou de Aracaju. Já são cerca de quarenta anos convivendo com seu dia-a-dia, mas ainda assim tão ausente como se jamais tivesse chegado um dia. Inegável sua beleza, suas praias, seu jeito ainda interiorano de ser, mas não consigo me acostumar com o que pouco tem a oferecer a quem se acostumou a amar a vida e o bucolismo sertanejo.
Caminho pelas ruas de Aracaju sem a emoção que desejava sentir. Apenas ando, apenas passo, apenas sigo. Gostaria de ter segurança para passar tardes inteiras na Ponte do Imperador ao redor das águas, avistando a Barra e refletindo sobre a vida. Gostaria que houvesse ao menos um banquinho na praça defronte a Catedral. Gostaria que Aracaju não perdesse sua feição interiorana sem oferecer aos seus o prazer de conviver com sua natureza.
Assim, moro em Aracaju como um bicho forçado a fugir de sua mata. Por isso que me refaço inteiro quando retorno ao sertão. E quem tem o sertão na alma jamais se acostuma com o amanhecer noutro lugar.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

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