Rangel Alves da
Costa*
Os rios
passam pelas aldeias. Os rios de águas correntes, os rios poéticos, os rios
simbologias, os rios mitológicos, os rios imaginários, todos passam pelas
aldeias. Há um leito que surge distante e vai se aproximando para fazer das
margens um cais de chegada e partida, um porto de sonhos e esperanças.
Na aldeia
de Fernando Pessoa passa o mais belo dos rios: “Mas o Tejo não é mais belo que
o rio que corre pela minha aldeia porque o Tejo não é o rio que corre pela
minha aldeia... Mas poucos sabem qual é o rio da minha aldeia. E para onde ele
vai e donde ele vem. E por isso porque pertence a menos gente, é mais livre e
maior o rio da minha aldeia...”.
As aldeias
parecem brotadas das águas e não das ribeiras que margeiam os rios. As aldeias
parecem navegar nas águas mansas e não no redemoinho da vida real. As aldeias
parecem ter saído das águas e simplesmente repousado nas areias tantas que
estão ali e mais adiante. As aldeias parecem as saudades que permanecem depois
que as águas passam e vão levando o tempo. Por isso que os rios passam pelas
aldeias.
Os rios
passam pelas aldeias porque necessitam abraçar sua geração. Ali, nos casebres,
nas choupanas, nas casinholas de pescadores, por cima dos barcos e no
emaranhado das redes, na ponta dos anzóis e nas areias ao redor, tudo filho das
águas. Daí serem os rios os pais e mães de tudo que se chama ribeira, margem,
pescador, barqueiro, vivente daquelas distâncias molhadas e de tão sublime
sobrevivência.
Os rios
passam pelas aldeias porque vai ao encontro de sua própria existência. Não há
rio sem aldeia e nem aldeia de pescador sem um rio que passe adiante e permita
a sobrevivência, a partida e a chegada. O homem é filho das águas e as águas
estão dentro do homem, como uma moringa de barro que bebe da própria água para
não se alquebrar no mormaço. Assim com o rio e com o homem. Nem um nem outro se
distância. Os dois vivem nas entranhas um do outro sem que se possa apartar.
De um
velho pescador já se ouviu que as aldeias são santuários cultuando as águas dos
rios. De outro ribeirinho já se ouviu que as águas que vão passando vai levando
uma saudade sem fim de cada beirada de areia que vai ficando atrás. E assim
porque sabem que aqueles que ficam nas aldeias sempre choram ante a sua
passagem. Não de tristeza ou dor, mas de contentamento infinito pela sua
existência.
As águas
vão mansamente passando enquanto as aldeias mansamente vivem o destino dos
rios. Há no silêncio e na calma, na paz e no sossego, no bucolismo e na feição
antiga, a mesma feição das águas que parecem sempre as mesmas, e sempre mansas,
vagarosas, singelas, num percurso que é o mesmo desde os primeiros tempos. E um
mistério de amor que torna inseparáveis aquele caminho molhado do caminho do
homem ribeirinho.
E um amor
demonstrado em tudo. Enquanto as águas sempre se aproximam dos seus para
carinhosamente beijar, os ribeirinhos tornam a sua presença motivo maior para
tudo na vida. Caminham pelas areias, lentamente se aproximam e depois mergulham
para o abraço. Sentam-se defronte aos casebres e miram apaixonadamente aquele
corpo belo que vai seguindo adiante olhando pra trás. E ao alvorecer e
entardecer, quando as águas são como espelhos de luz, então se reconhecem como
amantes e filhos de toda aquela beleza.
Sim, a
razão com Fernando Pessoa. Mas também como todo ribeirinho e todo pescador, com
todo vivente das beiradas dos rios. O rio do poeta é mais bonito que o Tejo
porque é o rio que passa pela sua aldeia. Assim a beleza maior de todos os rios
que passam pelas aldeias. Não precisa ser imenso e caudaloso, apenas um rio,
não precisa ser caminho de grandes embarcações, mas apenas um singelo e humilde
rio. Eis que o amor está no que os olhos avistam da aldeia, e não naquilo que
se supõe existir.
Assim os
rios passam pelas aldeias. Assim os aldeões ribeirinhos vivem a vida dos seus
rios. Por que nestes não apenas leitos de águas correntes, mas a vida no
espelho d’água.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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