SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



quarta-feira, 2 de novembro de 2016

A VOZ DA PEDRA


*Rangel Alves da Costa


Jamais pensei em acreditar nisso. Mas dobro-me à sabedoria para rever minhas opiniões. Eis que de três pessoas eu já ouvi que a pedra fala, que a pedra tem voz. E mais: sentimentos.
O velho sertanejo me disse: A pedra fala e fala muito. Basta sentar em riba ou ao lado e logo a pessoa escuta sua voz. É como se não ouvisse nada, mas ela vai falando por dentro da pessoa. E com ela também converso. E muito. Por isso mesmo que tanto dizem que converso sozinho.
O velho sábio me confidenciou: Doce e meiga, ruidosa e gritante, é a voz da pedra. Tudo depende de quem vai ouvi-la. Não adianta chegar junto à pedra com estupidez e ignorância e desejar ouvir uma palavra branda. A brandura da palavra da palavra será sempre uma resposta àquela voz que chega mais silenciosamente íntima do que bradando ao vento.
O velho filósofo me afirmou: Oh se soubessem os segredos das pedras. Oh se imaginassem a sabedoria das pedras. De endurecido semblante, de impenetrável feição, de insensibilidade e desdém, é o que erroneamente pensam da pedra. Ora, não conhecem seu íntimo, seu coração, sua voz. E nem será preciso colocar ouvidos rente ao seu corpo, bastando olhá-la ao longe e já compreender quantos séculos de sabedoria ali guardados.
Imaginem-se, então, as esculturas talhadas na pedra. Seus silêncios não dizem nada. Suas aparências não dizem além de uma feição petrificada. Contudo, basta que o olhar se alongue em observação, que a compreensão procure se aprofundar um pouco mais sobre aquele significado, e então a mera visão logo se transforma em achado, em proximidade, em contato. Então será possível um diálogo.
Mesmo a pedra bruta, a pedra do mato, dos escondidos, não deixa de revelar uma significação especial. O tempo passando, os anos se somando, a natureza ao redor se transformando, e ela ali como em estado de eternidade. E sempre um testemunho do novo e do velho, sempre uma lição aprendida no tempo e somente revelada quando a pessoa procura avistá-la com outro olhar.
Nos rochedos pedregosos assim também. Não são apenas pedras sobre pedras ou uma junção delas em imensidões de tamanhos. Como faróis que se acendem sobre as águas e que tudo conhecem de suas histórias e seus segredos, assim também com a imponência pedregosa que se lança acima das margens dos rios, que pontuam entre os caminhos, que estão nos impenetráveis caminhos.
Não são apenas pedras. São pedras vivas. Possuem células, possuas microrganismos, possuem partículas, possuem veias, possuem pulsações, sentimentos, corações. E falam e ouvem, e cantam e choram, e adormecem e despertam sempre no mesmo lugar, noite a noite e dia a dia, sob sol e lua, sob brisa e ventania. Até que um dia morrem e viram pó. E ao pó retornam na lei cristã da existência.
Confesso que sou muito amigo das pedras, principalmente daquelas desoladas no meio do tempo. Mesmo sem perceber, todo ser humano acaba sendo amigo da pedra. Depois de uma caminhada, de o corpo pedir um instante de repouso, logo procura uma pedra para sentar e descansar. E a pedra sempre acolhe. É neste momento que um diálogo mais próximo tem início.
Depois de sentar e se sentir mais descansado, daí em diante a pessoa começa a pensar em coisas, em pessoas, em situações. É um diálogo do consciente, da memória, da recordação. A pessoa não sabe, mas a pedra espera que o diálogo também se volte a ela. Como um bom sacerdote em confissão, espera que o fiel vá se revelando.
Então, é chegado o instante que a palavra, mesmo em pensamento, seja voltada à pedra. Ela ouvirá cada silenciosamente. E silenciosamente responderá. A pessoa nunca levanta de uma pedra sem a sensação de ter reencontrado um velho amigo. Da pedra levanta com a lição, com a solução de problemas, pronto para seguir em frente.


Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com

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