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sexta-feira, 18 de novembro de 2016

O POBRE RICO POÇO REDONDO (HISTÓRIA, CULTURA E ABANDONO)


*Rangel Alves da Costa


Muito triste e doloroso perceber que para muitos tanto faz que Poço Redondo tenha história ou não, que tanto faz que seja rico em tradições ou que seja um município privilegiado em importantes aspectos. Lamentável que toda riqueza espalhada pelos seus quadrantes, desde a ponta da serra à beirada do rio, seja simplesmente negligenciada ou negada. Até o natural não conhece as potencialidades de seu rincão sertanejo, não conhece suas raízes nem a importância que sua terra possui no cenário nordestino e brasileiro.
Angustiante perceber que sequer reconhecem o valor histórico da Gruta do Angico (chacina do bando de Lampião em 38), da Fazenda Maranduba (uma das maiores batalhas travadas entre cangaceiros e volantes), do Poço de Cima (a primeira povoação), da Cachoeira do Bom Jardim, do Sítio Arqueológico do Charco, das cruzes da estrada do Curralinho, do acervo histórico de toda a margem ribeirinha, da Serra da Guia e sua comunidade quilombola, das povoações ribeirinhas e seus costumes e tradições, do Alto de João Paulo e suas raízes cangaceiras, do Território de Maria do Rosário, do Morro da Letra, do casarão de Bonsucesso e os resquícios das pedras escravas, da lendária figura de Zé de Julião. Saliente-se que Dona Zefa da Guia é um monumento vivo, mas muito mais reconhecido pelo forasteiro.
Por que não proporcionar a valorização merecida a um artista original como Antônio Neto? Ora, o exímio aboiador possui fama assegurada noutras regiões nordestinas, mas não em Poço Redondo. Por que não valorizar a obra literária de escritores como Edézio, Manoel Belarmino e tantos outros de rascunhos escondidos por falta de apoio? Até mesmo a obra de Alcino Alves Costa seria renegada ao esquecimento local se não fosse o surgimento de um memorial contendo o seu acervo e também muito da história sertaneja. Dizem muito da perda da identidade e de seus costumes, mas não reconhecem que as tradições somente permanecem com os fazeres, os usos, a continuidade.
Talvez sequer saibam que Poço Redondo é o maior município de Sergipe, é o que possui o maior número de assentamentos e assentados, é o detentor da maior bacia leiteira do estado (Santa Rosa do Ermírio), no seu chão está localizado o ponto mais elevado de Sergipe, na Serra Negra (Serra da Guia), com 742m, que de sua terra brota a nascente do rio Sergipe, na Serra Negra. Foi cenário, em 1975 e 1976, respectivamente, dos cinedocumentários para o Globo Repórter “O Último Dia de Lampião” (de Maurice Capovilla) e “A Mulher no Cangaço” (de Hermano Penna) e do premiado filme “Sargento Getúlio” (em 1985, de Hermano Penna). Mais recentemente serviu de cenário para o filme “Aos ventos que virão”, de Hermano Penna, baseado na história de Zé de Julião. E ainda sobre este famoso ex-cangaceiro e político, o mesmo diretor fez este ano o lançamento do documentário “Zé de Julião - muito além do cangaço”. Saliente-se ainda que Poço Redondo foi o município nordestino que mais contribuiu com cangaceiros para o bando de Lampião, num total de 34 poço-redondenses, sendo 27 homens e 07 mulheres.
Como observado, Poço Redondo possui riquezas, grandiosidades, aspectos históricos, geográficos e artísticos relevantes demais para serem simplesmente deslembrados ou premeditadamente esquecidos. Mas quem vem administrando o município faz de conta que nada disso existe. E como será com o futuro prefeito? Uma resposta difícil demais para o momento. Mas eu saberia muito bem o que fazer já no primeiro instante: mapear todos os atrativos turísticos do município e, a partir de então, elaborar uma eficiente política de preservação e de atração turística, com a formação de guias e proporcionando boas condições de acesso.
Uma política para a cultura e o turismo não no talvez ou no deixar para depois, pois com a urgência requerida para o desenvolvimento municipal através da exploração responsável das potencialidades, de eventos turísticos e da demonstração ao Brasil e ao mundo do que temos de melhor e mais convidativo. E trazer de volta ao chão sertanejo, com a pujança merecida, a cavalhada, a renda de bilros e as bordadeiras, o autêntico forró, as danças e as tradições ribeirinhas, o xaxado, os pífanos e muito mais. Por que a arte do Mestre Tonho e de outros mestres da terra é tão renegada? O centro da cidade carece de uma suntuosa edificação que sirva tanto para produção como para comercialização artesanal.
Ora, se municípios vizinhos e empresários ganham rios de dinheiro explorando e vendendo destinos turísticos pertencentes a Poço Redondo, por que não o próprio município? O Cariri Cangaço, por exemplo, um evento de âmbito nacional e que todo ano reúne centenas de pesquisadores, só não é realizado em Poço Redondo por que não há apoio da gestão municipal. Será preciso, pois, acabar com a cegueira administrativa e passar a ter olhos admiravelmente abertos para as potencialidades da terra de Alcino Alves Costa.


Escritor (natural de Poço Redondo)
blograngel-sertao.blogspot.com

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