SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

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sexta-feira, 2 de junho de 2017

UM FIM DE TARDE ASSIM


*Rangel Alves da Costa


Iniciei este texto já passado das cinco horas da tarde desta quinta-feira, primeiro de junho. 17h12min precisamente. E veio-me a inspiração exatamente pelo que acabei de avistar do outro lado do portão, em direção aos horizontes.
O dia inteiro foi de mais nuvens do que réstia de sol, num tempo nublado de chover a qualquer momento. Mas agora, na junção das nebulosas cores do entardecer, sem as chamas do sol nem a vermelhidão entre as nuvens, o tempo ficou mais entristecido e pesaroso.
Daí estar um fim de tarde assim, assim sombrio, tristonho, nublado, escurecido, melancólico e até angustiante. Paisagem de chuva de uma chuva que não vem, horizontes de cores outonais apenas a espera de mais escuridão da noite que logo vai chegar.
Tudo fica mais triste num fim de tarde assim. Não há nem por de sol nem nuvem carregada, não há nem as cores avermelhadas e tão próprias do instante nem a escuridão fechada dos instantes que antecedem os temporais. Apenas um fim de tarde assim, assim diferente.
Na solidão em que estou agora, onde qualquer coisa já desperta saudade, tristeza, melancolia, uma nostalgia de perfeita feição, avistar paisagens assim é o mesmo que ser chamado ao sofrimento sem dor, às saudades sem retratos avistáveis ao pensamento.
Sim, motivos de saudades eu teria muitos, pois distante de pessoa que guarnece de amor o meu coração, mas as saudades perante este fim de tarde são muito diferentes, pois apenas surgidas como se abrindo velhos baús e buscando reencontrar os caminhos distantes.
Mas creio que não somente eu estou mais entristecido num fim de tarde assim. As pessoas passam mais cabisbaixas, mais pensativas, mais silenciosas, mais reflexivas. Não avistei sorrisos nem palavras, apenas pessoas que passam como se caminhassem distantes de tudo e alheias a tudo.
Os carros com suas buzinas sequer são ouvidos. Não há pressa, não há correria. Talvez muitos se esqueçam de passar na padaria para comprar pão e leite. Talvez outros sequer saibam por que caminham, para onde vão, e o que vão fazer logo mais.
Os chuviscos não caem. Apenas o tempo fechado, nublado. O sol escondido nas nuvens, apenas vai sumindo sem deixar rastros. Os prenúncios de chuva talvez não se confirmem. É mais fácil chover quando o dia inteiro não se mantem assim carregado.
Será certamente uma noite sem lua, sem estrelas. Talvez os meninos sequer apareçam para jogar bola por cima do asfalto. As mulheres sempre temem sentar nas suas portas em noites nubladas e indefinidas. Será uma noite chegada mais cedo e muito mais alongada.
Levantei por um instante e novamente lancei o olhar pelos arredores. Ainda são 17h39min, mas é como se a noite já tivesse chegado inteira, completa e escurecida antes do tempo. As sombras avançam e o noturno atormenta ainda mais a minha solidão. Até gosto da solidão, mas não quando ela chega em noite antecipadamente assim.
Já se foi o que era do fim de tarde. Não houve boca da noite nem partida do sol para a chegada da lua. Os espaços estão sem lua e as ruas parecem sonolentas e cada vez mais tristes e também solitárias. Um gato passou sem mio, também cabisbaixo, lento, vagarosamente remansoso.
Talvez chova a qualquer momento. Ou talvez a noite avance sem um chuvisco sequer. Seria bom que chovesse e os telhados molhados acalantassem os sonos difíceis de adormecer. Muita gente gosta de adormecer ouvindo o barulho da chuva, sentindo o mundo molhado ao redor.
Voltarei novamente ao portão. E perante a noite fechada sentirei tudo que a mim vier como saudade, tristeza ou aflição. Não vou mais fugir da memória nem do que desejo reencontrar. Que tudo venha na noite. Já não tenho medo da escuridão.


Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com

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