SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



terça-feira, 3 de outubro de 2017

METAMORFÓBICO


*Rangel Alves da Costa


Que pesadelo mais terrível o de Gregório. Ele avistando a si mesmo de costas, andando descalço e trôpego, cabisbaixo, esfarrapado, imundo, cabelos desgrenhados, a mais terrível das visões. Mas nada igual ao que avistou antes de pular da cama, sobressaltado. Havia se transformado num bicho horrendo, medonho, indescritível. Quando aquele homem virou-se na sua direção, com aquela estranheza toda por todo o ser, então o pesadelo levou-o ao chão. Fora praticamente lançado ao chão.
Contudo, do pesadelo à realidade, pois Gregório foi, lentamente se transformando num bicho, num monstro horrendo, numa aberração da natureza. A sorte dele, porém, que somente ele próprio se sentia e se avistava assim, aos poucos se transmudando num ser tão medonho que certamente seria renegado por qualquer pessoa que o avistasse daquele jeito, fosse da própria família ou não.
Triste realidade num ser. Triste realidade num homem que depois de tantos anos trabalhando, de ter construído sua casinha, de sempre cuidar para que não faltasse nada ao lar nem o pão sobre a mesa, e de repente ter tudo minguando e sem poder nada fazer. Era pobre - reconhecia-se assim -, mas nunca numa situação de tamanha miserabilidade como a que de repente passou a sentir. Um pobre que nunca precisou pedir nada a ninguém, mas que agora sentia que não demoraria muito para se submeter e até se ajoelhar perante a realidade da vida.
Na primeira manhã, logo após aquele terrível pesadelo, foi na padaria que começou a sentir os sintomas iniciais da transformação. O pão estava mais caro, a manteiga também. Perguntou o porquê daquele repentino aumento de preço e do padeiro ouviu que a farinha de trigo havia aumentado demais, o fermento também, sem falar no preço da energia. Então ele sentiu um embrulhamento por dentro, algo jamais acontecido. Sentia-se como tomado por uma força estranha por dentro.
Retornou à residência mais cabisbaixo do que nunca, pensativo, preocupado demais. Contudo, o problema maior estava na certeza que estava acometido de alguma doença. Antes mesmo de chegar a casa, resolveu caminhar mais um pouco em direção à farmácia. Pediu ao atendente um remédio que melhorasse aquele mal-estar por dentro e quase desmaia quando ouviu o preço. E do moço da farmácia também ouviu que todo o remédio já estava mais caro a partir daquela manhã e que outro aumento estava previsto para a semana seguinte. Não comprou. Não tinha dinheiro.
Abriu a porta de casa já em frangalhos. Ao sentar ao sofá e ligar a televisão, então a morte quase chega de repente. O noticiário dizia que o governo estava gastando uma fortuna para manter deputados na sua base de apoio e assim afastar qualquer denúncia que fosse contra si lançada e por isso mesmo os cofres públicos já apresentavam um rombo gigantesco. E para suprir sua caixa de bondades politiqueiras, o governo federal não havia encontrado outra saída senão aumentar impostos. E a consequência desse aumento seria logo sentido na vida da população brasileira.
Esse governo Temer vai me matar, vai matar toda a população brasileira, vai acabar com tudo e com todo mundo. Foi o que disse enquanto tentava se levantava, sem poder, para desligar a televisão. Estava espichado no sofá e espichado ficou. Sentia-se impotente a qualquer coisa, tomado de um estranhamento sem fim. Esforçou-se um pouco mais e enfim conseguiu levantar, adiante um espelho e sua terrível feição. Olhou-se de cima a baixo e confirmou o que jamais esperava de acontecer, então disse a si mesmo: Estou acabado, molambento, sem mais ter o que fazer na vida.
Deu um passo em direção à janela, forçou-a de tal modo que a madeira carcomida caiu a seus pés. Chutou pedaço de madeira pra tudo que era lado e depois gritou: Temer, você é o culpado de tudo Temer. Pensa que vai me endoidar, pensa que vai me matar? E entrou em devaneio: Cadê meu cavalo de pau? Quero meu cavalo de pau que tenho de fugir daqui, sair desse Brasil antes que Temer chegue aqui para me enterrar vivo. Cadê minha peteca baleadeira? Ai se eu tenho agora minha peteca baleadeira. Tô com fome. Não posso mais comprar comida, não posso comprar mais nada, então vou caçar preá na porta da rua...
Desse dia em diante o homem não teve mais serventia pra nada. Passou a se sentir como bicho, como um ser repugnante, como uma barata imensa e nojenta, como uma verdadeira aberração. E toda vez que ouvia o nome Temer mais sua aflição aumentava. Bastava o nome Temer e se sentia com o corpo inteiro sendo tomado por uma medonha asquerosidade. Tudo fazia para não abrir a porta e sair à rua. Tinha vergonha daquele estado deplorável que havia se transformado. Quando saía, logo procurava encobrir-se com uma capa velha e molambenta. Não queria que a sua miserabilidade fosse avistada em nudez.
Mas certa feita, quando de repente ouviu alguém falando aquele nome terrível, não encontrou outra saída senão se lançar pelos esgotos e chorar. Era a miséria humana imposta por um governante.


Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com

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