*Rangel Alves da
Costa
Se há um
instrumento terrível, devastador, covardemente destruidor, este é a mão do
homem. Aonde o seu passo chega, seu braço alcança, sua mão toca, ali estará o
fim.
A mão que
tocou a maçã proibida no Paraíso, a saudação nazista e sua mão arrogantemente
estendida, a mão cujo dedo polegar gesticula a destruição, a mão onde as linhas
do destino se transformam no arrebatamento do destino do próximo.
Não se
cogita aqui de ver a mão humana pelo lado humanista, defendendo-a nas suas
virtudes. Seria raridade apontar uma mão que se volte única e exclusivamente
para fazer o bem, para a benção, para doar o pão.
Logicamente
que existe a mão do carinho, do afago, do conforto. Contudo, tal órgão
anatômico ao repousar afetuosamente sobre o outro está despido de
intencionalidade própria, pois obedecendo aos sentimentos de afeição e talvez
de amor. E tudo parte do coração, órgão aliás que poucos parecem ter.
Contudo, a
grande verdade é que não existe mão santa, inocente, imune às tentações tão
próprias do homem. Assim, a mão que doa continua estendida esperando receber; a
mão que entrega a flor dá um tapa na cara, e muitas vezes logo após entregar a
flor. A mão que desenha a pomba da paz assina a ordem de ataque, da guerra, da
devastação.
O que
sobreleva na mão é o seu poder de ser tão verdadeira. Ela não volta atrás, até
porque o estrago já foi feito ou a intencionalidade cumpriu seu objetivo. Com o
dedo em riste, aponta, indica, sinaliza, gesticula, sentencia de vida ou de
morte. E na carícia que faz é para sentir o valor que tem e se apoderar.
Lógico que
a mão não é membro que age sozinho. Toda a ação que vier a praticar é comandada
pelo querer da pessoa, pelos seus sentidos, pelo seu objetivo mental. E neste
poderia afirmar que não se deveria culpabilizar a mão, mas o homem em si.
Contudo, o
recorte que se faz é no sentido de, essencialmente, mostrar o poder de ação, e
como age, desse pequeno órgão da extremidade dos membros superiores, que também
é responsável pelo tato, um dos sentidos humanos.
A mão
deveria ser vista no mesmo patamar dos outros órgãos humanos. Contudo, os
outros são praticamente inocentes e ineficazes diante do poder que uma mão
possui. Os olhos, por exemplo, veem, sentem, sofrem, mas não podem modificar
nada. Com a mão é diferente, pois vai lá e transforma tudo.
Por mais
que pretendam inocentar a mão pela prática de crimes, atrocidades, violências,
destruições, não há como deixar de vê-la segurando os instrumentos que provocam
tudo isso, levando com segurança aquilo que mais tarde provocará terríveis
consequências para o seu próprio dono.
É ela, a
mão sedenta de sangue, que puxa a arma, aponta e aperta e gatilho; e a mesma
que coloca o objeto assassino no mesmo lugar, e como se nada demais tivesse
acontecido. Ora, uma vida talvez não valha mesmo nada. É ela, a infame mão, que
amola e recolhe a pedra, amola a faca, coloca-a na bainha e depois na cintura.
E no momento certo retalha o que bem entender.
É ela, a
abjeta mão, que aponta o local na mata, indica árvore que deve ser derrubada,
segura a motosserra e depois, como num sopro, dá um leve empurrão para a morte
da natureza. E é também ela que cuida de cortar a madeira, colocá-la no
transporte, indicar o destino final para a transformação. Satisfeita, é
exatamente ela que recolhe o dinheiro com a venda.
É ela, a
mão assassina, que de facão em punho vai abrindo a floresta, cortando a mata,
até encontrar os ninhos dos pássaros, a moradia das onças, dos veados, dos
caititus, das antas, das seriemas, de tudo que for bicho ainda existente. E
depois é ela que aponta a arma, aperta o gatilho e em seguida vai recolher seu
troféu. E também é ela que sangra o bicho de estimação para fazer molho pardo
para o refestelo das gulodices.
É ela, a
mão covarde, que coloca o copo na boca e faz a cachaça se derramar goela
abaixo. É a mesma que empurra a porta de casa, esbofeteia a esposa, agride os
filhos, levanta violentamente as tampas de panelas e depois atira uma a uma no
quintal. E aponta o dedo para ameaçar, quando não procura violentar novamente.
É ela, a
mão insensível, pusilânime, desumana, que desenha o mapa da guerra, aponta os
locais de ataques, escreve nas estatísticas o número de mortos. E sem falar que
é também ela que rouba, furta, lesiona, atira pedra na vidraça do outro.
Quem dera
que a mão só servisse para dar adeus. E adeus para sempre àqueles que fazem das
mãos a vergonha da vida, a desonra humana.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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