SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



quarta-feira, 26 de setembro de 2018

TUDO É SERTÃO!



*Rangel Alves da Costa


Do lado de dentro ou de fora. De dentro da casa velha ou do lado de fora, na solidão da malhada, não importa. Tudo é sertão!
Curral de tora potente ou de garrancho de pau, não importa. Não importa que seja muito gado ou apenas uma ou duas vaquinhas. Tudo é sertão!
Pote d’água antigo, moringa molhada ao amanhecer da janela, tamborete no meio da sala e um velho baú pelos cantos. Tudo é sertão!
Menino brincando com ponta de vaca e vaca mugindo no pasto. Menino correndo atrás de calango e calango no alto da pedra. Tudo é sertão.
Moca bela na janela, sonhando com seu príncipe encantado, e mais adiante o encantamento da amarela flor da catingueira. Tudo é sertão!
Um entardecer que chega, um sol afogueado que vai sumindo, um fogaréu chamejante desaparecendo no horizonte, até tudo escurecer. Tudo é sertão!
Lenha colhida no mato antes de a chuva cair, fogão de chão aberto em quintal, e por cima uma grelha para o toucinho ou pedaço de qualquer coisa. Tudo é sertão!
Pastagem esturricada de sol, poeira solta pelos espaços, caminhos ardentes e plantas murchando entristecidas, quanta tristeza e agonia na vida. Tudo é sertão!
João catingueiro, Maria lenhadora, Bastão caçador, Zefinha parteira, Inácio vaqueiro, Jurema dona de casa, Licurgo mateiro, Donana doceira, Tiziu sofredor. Tudo é sertão!
Uma lua bela numa noite de breu. Um proseado adiante da casa, uma viola de pinho, uma talagada de pinga e uma saudade grande. Alguém chora bem baixinho. Tudo é sertão!
Saudade de Tonico que arribou no pau-de-arara e ainda não voltou. Filozinha todo dia espera uma carta sua. Ele disse que vai voltar, mas o tempo passa e nada. Tudo é sertão!
Um quintal de farmácia e de benzimento, de cura e até de milagre. A velha rezadeira vai juntando folha, ramos e o inusitado, e basta uma prece para a cura chegar. Tudo é sertão!
Um chão de espinho e uma desolação. Dia após dia e nada de chuva. Quando a porta é aberta e nada de nuvem, então os olhos lacrimejam o sofrimento e a dor. Tudo é sertão!
Um cesto de palma, um tiquinho de água. Tanque secando e o barreiro no barro. Não demora muito e tudo acaba de vez. Teme-se até pela vida em meio à sequidão. Tudo é sertão!
O sol em fornalha tanto queima como devora a vida. Não há planta que dê um sorriso, não há arvoredo que ainda tenha folhagem. Tudo parece viver pra morrer. Tudo é sertão!
O anoitecer traz uma saudade. O radinho de pilha faz lembrar-se de alguém. As velhas cartas já não chegam mais. Um forasteiro ou outro traz notícia do mundo. Tudo é sertão!
O vento soprando parece um grito. A folhagem zune querendo falar. O bicho se esconde com medo de tudo. A lua lá em cima se faz testemunha. Tudo é sertão!
Amores desfeitos, amores distantes. Um luto de vivo pela dor da ausência. Uma partida demorada a voltar. A porta aberta e ninguém pra entrar. Tudo é sertão!
Canta o silêncio pela ausência do pássaro. Sabiá sumiu, sumiu a rolinha. A canção passarinheira já não se ouve mais. O bicho voou e não quis mais voltar. Tudo é sertão!
Aquele passado que insiste em ficar. Casas abandonadas, chiqueiros vazios, janelas fechadas e portas cerradas. Os fantasmas passeiam nos escombros de agora. Tudo é sertão!
Uma panela de barro em riba de fogão. Um cheiro cheiroso e uma fome das grandes. Qualquer coisa serve na vida sem luxo, qualquer pão é pão na grande riqueza. Tudo é sertão!
Uma melancia, um feijão de corda. Uma espiga de milha, uma abóbora leiteira. O fruto da terra é tudo na vida. E sem o brotar não há a existência. Tudo é sertão!
As mãos calejadas, a face lanhada de tempo e de sol. O chapéu de couro e os olhos profundos. Quer viver, quer estar, quer sentir o seu mundo. Pois tudo é sertão!


Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com

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