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sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

A ROUPA NOVA DO GOVERNANTE (OU ELE ESTÁ NU?)


Rangel Alves da Costa*


Há um famoso e interessantíssimo conto de fadas de autoria do dinamarquês Hans Christian Andersen (1805-1875), intitulado “A roupa nova do imperador”, do qual se pode extrair algumas lições para a vida política e todos aqueles governantes que imaginam o poder como algo que se sobrepõe a tudo. Com o poder na mão, erroneamente acreditam que estão recobertos de onipotência, mas só até alguém ter coragem para dizer que o rei está nu.
No conto, um rei vaidoso encomenda a mais bela roupa que pudesse existir a dois vigaristas que chegaram ao reino se passando por alfaiates. Já preparando o golpe, afirmam que somente pessoas inteligentes poderiam avistar tal suntuosidade no soberano, pois toda feita de fios dourados invisíveis. Receberam imensas riquezas para confeccioná-la, mas sempre atrasando a entrega.
Um dia, precisando dar vazão às vaidades, o soberano seguiu com sua corte até os falsos alfaiates. Ardilosos, os espertalhões apontaram-lhe a mesa vazia e disseram que ali estava sua esplêndida roupa nova. Embora não visse nada, mas não podendo demonstrar essa fragilidade aos súditos, o governante exclamou: "Que lindas vestes! Vocês fizeram um trabalho magnífico!"
Mesmo sem enxergar coisa alguma, numa ação tão própria dos bajuladores, os súditos não só confirmaram como deram suspiros de aprovação: Oh!!! E foi marcado o dia que o rei apresentaria sua roupa nova ao povo. O exagero da vaidade do soberano o fazia realmente imaginar que vestia uma roupa tão linda que se tornava invisível. E diante do rei o povo se mostrava fascinado e aplaudindo tanta beleza, embora nada estivesse avistando.
Então surge uma criança e grita:  "O rei está nu!". E a farsa é desmascarada. Quando o povo percebe que estava sendo enganado e também grita que o rei está nu, então este, mesmo sabendo que a multidão estava com razão, prossegue desfilando ainda mais garboso e exigindo que seus serviçais continuem segurando a inexistente cauda da roupa.
Após isso, o rei recolheu-se disposto a nunca mais sair do palácio. Então aconteceu o que sempre acontece em situações similares. O povo logo esqueceu o escândalo, nada daquilo parecia ter acontecido, o rei começou a distribuir cargos e mais cargos para os seus apadrinhados, as notícias sobre desvios de verbas logo começaram a surgir e depois foram esquecidas. Por sua vez, os vigaristas foram aplicar golpes num reino vizinho, de rei endeusado e nariz empinado, e serviçais e súditos sempre condescendentes com os erros praticados.
A história do rei de desnuda soberba, pois, provoca muitas percepções. Somente a inocência teve coragem de revelar a verdade; o medo faz o subordinado calar diante do poder; o erro e a mentira diante de todos se tornam verdades jamais contraditas; a falsidade é serventia para continuar sendo útil ao governante; a ética de cada um está naquilo que deseja ter como moralidade; o governante finge nunca errar para não demonstrar fraquezas; mas, enfim, um dia a fortaleza de areia desmorona.
Mas também outra verdade muito mais conclusiva. O governante que se deixa levar pelas vaidades próprias da governança, que parece cegar diante das mais visíveis realidades e sempre acha que o seu status o coloca acima de tudo e de todos, certamente um dia se verá nu quando menos desejar. Pode fazer com que seus serviçais continuem passivos, cegos e mudos pelo tempo que tenha de poder, mas um dia sua nudez mais abjeta será conhecida por todos.
Tornar o povo cego diante de sua nudez é estratégia mais que conhecida. Os erros dos governantes geralmente são acobertados pelos fios dourados - nem sempre invisíveis - que são distribuídos para impor subserviências, submissões, para forjar aplausos e defesas de um rei que está nu. E não há nudez mais ridícula e abjeta que a de um governante que só se enxerga do umbigo pra cima. Ou melhor, só procura avistar aquilo que cabe no espelho forjado para lhe sorrir.
É a população esquecida e maltratada que deveria ter o olho aberto para o governante. Sua honraria nenhuma serventia teria se o povo, no tempo certo, apontasse para debaixo de seu terno de fios de ouro, e dissesse que avista ceroulas esburacadas ou mesmo a absoluta nudez. O rei e os seus bajuladores certamente não enxergariam nada disso, mas já seria tarde demais. O povo escancarou a verdade.
Mas como impedir que isso aconteça, como evitar que o povo de repente comece a dizer da nudez moral, comportamental, administrativa e política do governante? Eis o perigo da roupa nova usada pelo imperador. Então que o rei mande providenciar uma roupa que seja realmente transparente, como deve ser a veste de todo governante. Tal transparência causa um primoroso efeito.
Ao invés da nudez, a transparência mostrará um governante coberto de honestidade, trabalho, probidade, ética e compromisso com a população, dentre outras virtudes. Agindo assim, será o próprio povo que jamais permitirá que sua nudez seja gracejada.


Poeta e cronista
blograngel-sertão.blogspot.com

2 comentários:

Pérola disse...

A nudez e as roupagens socialmente convenientes ou não.

Beijos

Anônimo disse...

Muito bem Dr. Rangel, sua crônica baseada no conto do famoso escritor Hans Christian Andersen, é exatamente correta e muito bem aplicada em nossos dias. Parabéns.
Aproveito a oportunidade para desejar-lhe um FELIZ NATAL e PRÓSPERO ANO NOVO, jutamente com seus familiares e, estas mesmas palavras ao nobre escritor Archimedes Marques, logo que estou perdido com o blog do ilustre Delegado. Paz e harmonia para nossos vizinhos aracajuenses.
Antonio José de Oliveira - Povoado Bela Vista - Serrinha - Ba.