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sexta-feira, 28 de março de 2014

HUMILDES E HUMILHADOS


Rangel Alves da Costa*


O próprio conceito de humilde traz no seu bojo o sentido de humilhado, de humilhação. Dependendo do contexto, ser humilde significa viver modestamente, possuir baixo poder aquisitivo, fazer parte de classe social menos favorecida, não possuir grandes pretensões na vida a não ser aquelas que permitam a sobrevivência. Ou simplesmente ser recatado, respeitoso, servil, simples, sem aparentar orgulho ou soberba.
Contudo, ser humilde não se confunde com ter humildade. Enquanto aquele se volta mais para o socialmente desfavorecido, esta busca um nivelamento de relações, com respeito mútuo que não permita distinções por poder ou riqueza, formação ou prestígio. O ser humilde geralmente é forçado a encurvar-se, a submeter-se, enquanto a humildade exige respeito e tratamento digno e igualitário.
Aquele que se relaciona com o próximo com senso de humildade ou respeita o menos favorecido pela sua própria condição humana, age se contrapondo a uma verdadeira praga social que assola a classe mais humilde: a humilhação. E esta vista no seu aspecto mais pejorativo, desumano e existencialmente inaceitável. Neste sentido é que se fala em pessoas humilhadas pela sua condição social, pela sua cor, raça ou opção sexual, dentre outros fatores.
Como sempre observável no longo processo humano de desigualar os iguais, a humilhação foi sendo forjada para mostrar que pessoas existem que, pelo simples fato de serem menos aquinhoadas que outras, a estas devem obediência e temor. A Bíblia fala em submissão, mas somente à vontade de Deus, como escrito em Crônicas, II, 7:14: se o meu povo se humilhar, e orar, e buscar a minha face e se converter dos seus maus caminhos, então eu ouvirei dos céus e perdoarei os seus pecados, e sararei a sua terra. Assim, humilhar-se somente a Deus, e não ao homem.
Mas contrariamente a toda lição, é o homem que incessantemente humilha o outro, procura desfazer do próximo, desrespeitá-lo até onde possa. E não há dúvida que a humilhação é, verdadeiramente, a mais desonesta, injusta e desumana forma de ferir o caráter, de atacar a dignidade e afetar a honra do ser humano. É como se a submissão fosse uma forma de dizer que as coisas devem ser como eu quero, e não como você necessita que sejam; como uma forma de afirmar que deve suportar calado o que de bom ou ruim lhe seja impingido.  
O seu conceito não deixa dúvidas quanto ao enojamento que carrega em si, eis que atitude tomada para rebaixar a pessoa humilde ao reles do chão, ao húmus. É a imposição ao outro uma condição de ser abjeto, imprestável, menor, vil, desprezível, que não merece respeito nem valorização. Avista-se o desprezo ou desvalorização do ser humano; a escravização ou submissão do indivíduo a situações socialmente inaceitáveis; a violação premeditada dos direitos do cidadão; a busca de tornar o outro sempre inferior, sempre necessitando do outro para conseguir aquilo que lhe é assegurado por lei.
Age com humilhação aquele que sempre vê o povo humilde como preguiçoso, como marginal, como destituído das mesmas qualidades de outros cidadãos. A polícia humilha o negro, o pobre, o malvestido, o esfarrapado, o abandonado, o favelado ou morador das distâncias empobrecidas. A generalização de classes como tendentes à marginalidade é um ato de humilhação, como também as abordagens sempre pressupondo um bandido e não um ser humano.
Age com humilhação aquele que graceja do aluno que vai à escola com roupa rasgada ou caderno sem capa; aquele que nas repartições públicas torna o atendimento um total desrespeito ao cidadão que vai pedir uma informação ou resolver um problema; aquele que discrimina pessoas ou age com discriminação perante determinadas classes de indivíduos. O péssimo atendimento nos hospitais e outras unidades de saúde, nos fóruns, nas repartições públicas e nas antessalas são explícitas formas de humilhação.
Não há humilhação maior imposta ao indivíduo que pagar impostos cada vez mais elevados e não poder contar com os serviços essenciais quando necessita. Indivíduos jogados em macas no chão de hospitais, que têm de aguardar cinco meses ou mais para a realização de um exame, que não podem contar com os remédios necessários para o seu tratamento, são formas degradantes de humilhação. 
Contudo, o que mais dói é saber que a humilhação é fruto da arrogância de um ser humano em face de outro ser humano, só que este na desvantagem da necessidade. O que mais grita na alma é ter a certeza que muitos humilham como forma de mostrar poder e superioridade diante de pessoas que já sofrem demais em situações normais da vida. Mas assim é feito porque é próprio do ser humano ver o outro com inferioridade. E, se for pobre, como um verme que deve ser pisoteado.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

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