SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



quarta-feira, 5 de março de 2014

O HOMEM E SEU DESTINO


Rangel Alves da Costa*


Destino é geralmente conceituado como uma força sobrenatural que atua sobre o ser humano e as circunstâncias que este vai enfrentado ao longo da existência. É uma combinação de acontecimentos que influenciam e norteiam a vida. É visto também como uma sucessão inevitável de acontecimentos. E inevitável porque já traçado, desde antes do nascimento, por uma força superior.
Muita gente diz que a sina do homem é traçada no dia a dia, no bem ou mal que faça a cada passo, naquilo que escolhe como percurso. Certamente outros creem numa força divina premeditando a estrada a ser percorrida, tudo que nela se faça. Mesmo não crendo, dificilmente a pessoa desacredita totalmente na interferência de forças misteriosas nos seus afazeres. Por isso mesmo que a culpa é imputada ao destino quando as coisas não acontecem como esperadas ou desejadas.
Em determinados contextos, contudo, acreditar no destino é também acreditar que determinadas pessoas são destinadas a ter o mesmo fadário, a mesma sina, pois vivendo sempre na mesma situação, tendo praticamente as mesmas alegrias e sofrimentos, pisando os mesmos espinhos e colhendo sempre as flores murchas a elas não destinadas. E assim porque pessoas designadas a sofrer na pele as agruras do tempo e no âmago a estrela do padecimento.
Desse modo, haveria de se indagar se grande parte do povo sertanejo nasce tendo por destino padecer para existir e sobreviver diante de um meio tão árido e árduo. E muitos haverão de afirmar que somente o destino ingrato para que seres humanos nasçam reféns das propensões das forças da natureza e assim permaneçam sem outro afazer que não esperar a chuva cair, molhar a terra, juntar água na fonte e permitir algum plantio e qualquer colheita. E somente isso na vida, no máximo merecimento que possa ter.
Por outras palavras, seria preciso questionar se o sofrimento tão conhecido do homem das distâncias matutas é fruto de uma sina ou é mera consequência da propensão do lugar. Mas ainda assim forçoso seria reconhecer o destino diferenciado também da terra e não apenas do homem. E inevitável que se questione o porquê de as chuvas serem tão escassas, o sol descer parecendo mais abrasador, as dificuldades de sobrevivência tanto se alastrar nas suas distâncias. 
De qualquer forma, nascer no sertão sempre significou tempos difíceis na existência e uma soma de carências que não se avolumam ainda mais por causa da fé e religiosidade tão arraigadas na alma de sua gente. Neste caso, o próprio sertanejo se permite dizer que Deus há de proteger o homem diante do seu destino. E acabam se convencendo que nem tudo nasceu para ser paraíso, cabendo ao homem lutar para vencer as dificuldades e transformar a dura realidade numa situação aceitável. Não há outro jeito, não há o que fazer.
Tais divagações surgiram depois de uma visita que fiz nesta última semana ao sertão sergipano, durante breves instantes, mas extremamente proveitosos diante de um diálogo mantido com um amigo ali residente. Ainda moço, mas já casado e possuidor de quatro ou cinco vaquinhas, indagado acerca da situação de dificuldades com a escassez de chuvas e da falta de alimento para o gado e água para gente e bicho, ele acabou revelando o passo e o compasso da vida no sertão. E que outra coisa não é senão o destino, a sina da terra e do sertanejo.
Eis o relatado, como confirmação de inevitável sina: A terra seca demais, se chove um pouquinho a água juntada logo vai embora. Sem chuva não há plantação, não há colheita, e todo alimento é de carestia desenfreada. Sem chuva o homem não trabalha a terra, não há emprego nem ganha-pão. Quem tem filho se vira como pode para diminuir a fome dos inocentes. Quando o tanque seca de vez e a gente passa a depender somente de um carro-pipa que passe e deixe dois baldes de água ainda vai. Mas piora muito quando nem assim acontece, eis que mesmo o pobre tem de se virar para comprar carrada d’água.
E prossegue: Quem tem uma ou duas vaquinhas, só mantém as bichinhas pelo apego que tem a elas. Palma não existe mais pelos pastos que sirvam de alimento. Nada cresce no pasto que possa ao menos enganar a fome dos bichos. E um saco de farelo de soja, que custa cerca de oitenta reais, nem todos pode comprar. Quando compra é pra ver se ainda consegue tirar algum leite. Mas quando tira vem outro problema. As indústrias beneficiadoras só querem pagar menos de um real por litro. Só há um ganho a mais se o leite for vendido de porta em porta, quando o preço alcança pouco mais de um real e cinquenta centavos. Quer dizer, acaba nem cobrindo as despesas com a manutenção das vaquinhas. E tudo sempre assim, no destino de sempre.
Como observado, tal cotidiano sertanejo, e que se repete desde que sertão é sertão, não deixa muita margem para pensar diferente: ali há uma sina que se cumpre, acreditando ou não em destino. Tudo que progride ou é transformado ganha apenas outra aparência, mas sem jamais deixar no esquecimento a velha noção de uma terra de uma gente carregando a sua cruz. E a cruz do destino sertanejo.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com 

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