*Rangel Alves da Costa
O ano
inteiro de muita chuva. E esse ano foi de muita chuva mesmo. Dificilmente não
amanhecia chovendo ou os pingos d’água se derramando do entardecer em diante.
Muita gente dizia que desde muito que não se via um sertão com tanta fartura de
água.
Tanques
cheios, terra encharcada, água muita escorrendo nas ribanceiras. Os respingos
entrando pelas janelas e as goteiras lavando velhos sofrimentos. Os olhares
molhados das águas das alegrias, as mãos desejosas de trabalhar a terra para
semear. Não havia medo ou temor, pois o tempo respingando vida fortalecia cada
vez mais a esperança sertaneja.
Lá fora,
pelo mundaréu sertanejo, além dos cercados e mais além, tudo exalando alegria.
A catingueira florida, os arvoredos pujantes, a mataria tomada de viço e
frescor. Pastagens verdejantes, um tapete de natureza em flor perante o olhar.
Coisa mais linda o jardim sertanejo molhado de chuvarada.
As mãos de
esmolas d’água negavam as submissões para se elevarem ao alto em preces de
agradecimento. Os carros-pipas já não chegavam como milagres eleitoreiros. Do
alto, caindo do alto, o sertanejo era reconhecido por uma força maior, por um
poder bem maior.
O sopro
divino era de nuvens cheias, prenhes, gordas, de muita água. O ano inteiro
quase assim, quase uma eternidade sem os velhos e conhecidos sofrimentos. Mas
as chuvas começaram a escassear. As manhãs não nasciam molhadas nem as noites
chegavam espargindo vida em cada gota caída.
Estava bom
demais para continuar assim. As colheitas fartas, as barragens fartas, as
pastagens fartas, as alegrias fartas. Nem tudo tem a continuidade tão desejada.
Por mais que chova e continuamente chova, o sertão sempre será sertão. E por
ser assim, um sertão tão sertão, é que de repente o verde vai dando lugar ao
cinza, a florida paisagem vai dando lugar ao definhamento.
Quando nenhuma flor restar mais na paisagem, somente a catingueira a preservar nos seus galhos e na nossa memória o mundo em que vivemos. Uma flor em meio à sequidão. Quando a terra esturricar de vez e o passarinho bater suas asas com destino incerto, então o sertão terá reencontrado sua face mais triste: a seca.
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