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sexta-feira, 11 de julho de 2014

A MÁ CONDUTA E O DESRESPEITO NO ATENDIMENTO PÚBLICO


Rangel Alves da Costa*


Tornou-se praxe a fixação de impressos com os seguintes dizeres nas repartições públicas: Código Penal - Art. 331 - Desacatar funcionário público no exercício da função ou em razão dela: Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, ou multa. Significa dizer que quem ousar tratar mal, com arrogância ou desrespeito o servidor ali atuante, estará cometendo crime de desacato. Até aí tudo bem, eis que o respeito e o acatamento devem pontuar todas as relações humanas.
Mas será que há contrapartida de acatamento do funcionário público que está ali - e é remunerado para tal - para atender bem e respeitosamente à população, principalmente a mais carente, humilde e desinformada? Será que o mesmo direcionamento da lei não deveria ser observado por aquele que não deseja ser desacatado? Ou somente o pobre cidadão pode ser mal atendido, desrespeitado, ignorado, humilhado, escorraçado, e ainda assim ter de baixar a cabeça para não incorrer em desacato?
Parece praga, uma doença contagiosa que desde muito assola o serviço público, seja municipal, estadual ou federal, envolvendo todos os órgãos e instituições. Nem precisa qualquer embasamento em pesquisa de opinião para saber que nenhum cidadão se mostra satisfeito com o serviço que lhe é prestado, incluindo o atendimento, a falta de informações, a burocracia, os caminhos sempre mais difíceis que se exige na resolução de simples problemas. E a demora no atendimento parece propositada.
Eis uma cena corriqueira, de todo dia, em todo lugar: Chega uma pessoa aflita, com papelada na mão para resolver um problema, ou retira uma senha e vai sentar esperando sua vez ou se dirige diretamente ao balcão. Do outro lado, geralmente de cabeça baixa, preguiçosamente olhando por cima dos óculos, de cara sempre fechada, com aspecto de poucos amigos, o servidor atendente pergunta o que deseja. Dependendo da situação, logo procura tornar uma solução em problema, fala rispidamente com a pessoa, procura sempre o caminho mais difícil e complicado. E não raro apenas dizer, com frieza mortal, que volte tal dia, não é aqui não, que procure outra repartição, ou mais neste sentido.
Ofendido, destratado, negligenciado, tratado com descaso, caso o sujeito pretenda ali mesmo fazer uma reclamação certamente que não conseguirá. Acaso saiba ler, talvez encontre uma informação pregada num mural dizendo que qualquer reclamação deverá ser feita na ouvidoria do órgão. Mas ali mesmo nada conseguirá, e por mais que tente encontrar um superior que possa tomar providências, ao olhar de canto a outro sempre encontrará funcionários com feições de poucos amigos, com aspectos enraivecidos, fechados, taciturnos, parecendo mal-amados ou mal amando o mundo inteiro.
Assim acontece em todo lugar. No caso de a pessoa ter influência pela amizade, pelo prestígio social ou político, poder ou riqueza, terá acesso garantido, logo lhe será apontada uma cadeira confortável, oferecido um cafezinho, atendimento rápido e tudo o mais que necessitar. Mas do contrário, se a pessoa que ali chegue seja um zé-ninguém, um pobre trabalhador, um pacato cidadão que labuta debaixo do sol e da lua para sobreviver, certamente que sofrerá o pão que o coisa ruim amassou. E tão mal atendido será que mais parecerá que o servidor é pago para humilhá-lo, subjugá-lo, destratá-lo da forma mais acintosa possível.
Tais desserviços à população, principalmente aquela mais carente, demonstra bem o tipo de compromisso e de respeito que a maioria dos servidores públicos possui para com o seu igual na existência humana. A estupidez e a arrogância nos tratamentos refletem muito bem como os governantes cuidam da população. No caso dos servidores a situação se torna ainda mais grave à medida que recebem seus salários com os impostos pagos pelo próprio povo, pela mesma classe social que tanto é destratada, ferida na sua dignidade e menosprezada nos seus direitos mais elementares.
Inadmissível, pois, que servidores públicos se desvirtuem no exercício de suas funções e, por problemas pessoais ou empregatícios, passem a derramar suas iras, seus ódios e descontentamentos perante aqueles nada têm a ver com os seus problemas. Ademais, o povo não tem culpa se acham que estão ganhando pouco, se possuem problemas familiares, se não gostam da função que exercem ou se trabalham como um fardo de vida. O povo não tem culpa de nada disso. O mínimo que o cidadão deseja e requer é ser bem recebido, atendido, respeitado e valorizado, e exatamente por ser cidadão, pagar impostos e manter toda a estrutura administrativa em funcionamento.
Mas parece não haver mesmo jeito. Urge que se dê um exemplo. Uma pessoa simples, de pouca informação, humilde na mais ampla expressão, que chegue numa delegacia metropolitana em busca de uma informação, depois certamente dirá que nem presa deseja voltar ali. E assim porque geralmente encontra o atendimento mais desqualificado e desumano possível. Pelo próprio ambiente, a pessoa já teme pedir qualquer informação, e quando abre a boca dificilmente é bem ouvido é respondido. Pelo tratamento considerado, a pessoa talvez seja vista como tudo, menos como gente.
É assim, com raríssimas exceções, que a desumanização nos órgãos e instituições se tornou em verdadeira política de convivência entre aquele que se acha importante demais para subjugar e aquele que se reconhece impotente demais para contestar. E quanto mais o nível do servidor ou agente vai subindo mais verá o cidadão humilde na dimensão desejada. Ou seja, como ninguém.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com  

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