SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



domingo, 20 de julho de 2014

EU CONHEÇO ELE


Rangel Alves da Costa*


O correto seria escrever eu o conheço, mas não precisa que seja assim. Eis que conheço tanto ele que abdico dos formalismos para ir direto ao assunto. Então urge que eu exponha todas as impressões que tenho a respeito dele.
Ele é pessoa absolutamente comum. Por ser assim, tão de carne e osso igual a todo mundo, vive balançando nas faces da vida. É encontrado triste em alguns momentos e vendendo alegria em outros; silencioso demais em alguns instantes e de palavra solta em outros.
De repente parece estar nas nuvens, mas no instante seguinte já rente ao chão. Recolhe-se pensativo, cabisbaixo, e dali a pouco já estará cruzando as ruas e avenidas. É sonhador sim, porém atento à realidade. Sabe que é na realidade, no cotidiano da existência, que tudo pode ser realizado.
Como observado, nada diferente de outras pessoas. Talvez seja mais sincero que outros ou menos sincero que outros, talvez nunca seja do jeito que tanto gostaria de ser. E nisso tudo a normalidade, a cópia e o retrato tão visível na parede de tanta gente.
Ama. Ou já sentiu tanto amar. Talvez não ame tanto como antigamente, mas tem o amor como essencialidade para a paz corporal, mental e espiritual. Na realidade, muito difícil definir o amor que sente. E por ele já sorriu, já caminhou, já caiu e levantou. E tudo faria novamente se encontrasse um motivo que tanto alegrasse seu coração.
Também se angustia, chora, sorri, grita, quer a paz e não foge da guerra. Os amigos são muitos e os inimigos também, mas estes nunca revelados senão pelas falsidades e as inconveniências que vão surgindo. Sabe muito bem em quem pode confiar, mas jamais lança desconfiança em qualquer pessoa.
Nunca foi rico, nunca foi pobre, apenas tem como sobreviver sem se submeter a humilhações nem estar pedindo favores a uns e outros. Apenas se veste, apenas calça, apenas se serve do que tem à mesa. Nenhum luxo, nenhum requinte, somente o essencial para sobreviver. Queria ter mais, muito mais, porém prefere a riqueza da paz que possui aos perigosos idílios da riqueza.
Sonha os mesmos sonhos dos outros sonhadores. Talvez seja assim. Deita e encontra um mundo no telhado. E ali uma estrada, um porto, um balão ou barco, qualquer coisa que o leve adiante, bem longe. E vai imaginando coisas, passeando por paisagens maravilhosas, tendo e sendo tudo aquilo que somente em pensamento é possível alcançar. E depois o sono vai chegando. E adormece para viagens outras.
Mas também tem a noite como instante propício para abrir os velhos baús, folhear os álbuns na memória, reencontrar com pessoas, com o passado, com a sua vida em outros. E recorda, sente saudade, entristece, lacrimeja, tudo faz para não ser assim, mas não tem jeito. As lembranças chegam como ventanias que açoitam os varais da mente.
Não se sente vaidoso, egoísta, arrogante ou falso. Mas sabe que tanto faz que imagine ser assim, pois todo mundo se reveste de santidade perante os demais, mesmo reconhecendo não ser flor que se cheire. Ao menos ele tem a consciência tranquila e sabe muito que os erros cometidos não vão muito além daqueles necessários na batalha da vida.
Queria ser diferente. Queria ter aproveitado muito mais da vida, do passado, do que a estrada lhe ofereceu. Mas tem consciência que ninguém aproveita o instante como deveria fazê-lo e que somente amanhã, ou algum tempo depois, haverá a vontade de retornar para fazer mais, menos ou diferente.
Queria ter mais amigos e verdadeiros amigos. Mas não se reconhece o grão com o milho ainda na palha, sabe bem disso. Queria novamente tomar banho na chuva, roubar fruta no pomar, chutar a bola além do muro da vizinhança. E tanto mais queria.
Mas quem é ele, quem é essa pessoa sobre a qual escrevi por que conheço? Juro que não sei. Talvez eu, talvez você ou qualquer um. Digo que conheço porque as pessoas normais e comuns geralmente são assim.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

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