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quarta-feira, 16 de julho de 2014

JOÃO MARIA DE CARVALHO, CORONEL DA SERRA NEGRA


Rangel Alves da Costa*


Quem passa em Poço Redondo em direção a Canindé do São Francisco, entrecorta uma extensa avenida cujo nome homenageia um ilustre personagem que não é sergipano nem do lugar, porém de importância histórica fundamental em toda a região sertaneja da Bahia e de Sergipe. Homenageia-se João Maria de Carvalho, senhor absoluto das terras da Serra Negra (hoje Pedro Alexandre) e região e com influência determinante além daquelas fronteiras, adentrando na região poço-redondense e todo aquele semiárido.
Talvez os mais novos sequer conheçam a história e a trajetória daquele homenageado na segunda avenida mais importante de seu rincão. Os mais velhos, contudo, certamente já ouviram falar nos profundos laços que ligavam o afamado baiano, homem de poder e mando, ao sertão sergipano. O seu filho Heraldo de Carvalho e seu sobrinho Evaldo de Carvalho, ambos políticos e prefeitos de seu município em várias gestões, também possuíam fortes ligações afetivas com Poço Redondo e Canindé do São Francisco, onde tinham muitos amigos e não perdiam vaquejadas nem festança da padroeira.
João Maria nasceu por volta de 1890, numa família de grande prole, nada menos que catorze filhos. Era filho de Pedro Alexandre de Carvalho e Guilhermina Maria da Conceição. Além do próprio João Maria, ainda João Batista de Carvalho, Pedro Alexandre de Carvalho Filho (Piduca), Manoel de Carvalho Santos (Santinho), João Pedro de Carvalho (Ioiô), José Pedro de Carvalho, Liberato de Carvalho, Joana Angélica de Carvalho, Zabelinha de Carvalho, Maria de Carvalho, Nanan de Carvalho, Adelina de Carvalho, Josefina de Carvalho e Esmeralda de Carvalho.
Ao lado dos coronéis João Gonçalves de Sá, da região de Jeremoabo, e Petronilo de Alcântara Reis, o sempre temido e respeitado Coronel Petro, João Maria de Carvalho se impôs com maestria, domínio e autoridade não só na região de Serra Negra como em outras localidades além fronteiras. Ora, senhor de muitas terras na Bahia e também no sertão sergipano, sem falar na influência política que mantinha em ambos os lados. Pôs a mão não só nas terras como na vida daquelas regiões, eis que não havia um só dia que não chegasse um sertanejo pedindo ajuda para sobreviver, proteção política ou por medo das perseguições das autoridades, da polícia ou de inimigos comuns.
Alcino Alves Costa, no livro O Sertão de Lampião, relata que os perseguidos por Leandro Maciel não pensavam duas vezes senão correr para a proteção do coronel baiano. E afirma: “Ali (na Serra Negra), naquela ocasião, estavam homiziados os homens mais valentes do PSD de Sergipe: Zeca da Barra, Tonho Pequeno, Pititó, Josafá e os ‘Ceará’, destemidos políticos de Ribeirópolis e da Cruz do Cavalcanti. Todos eles escorraçados do vizinho Estado pela polícia e jagunços da UDN de Leandro Maciel”. E até mesmo os governantes de Sergipe respeitavam a autoridade do poderoso vizinho, ainda que o acusasse de protetor da bandidagem e renegados.
Alguns afirmam sua feição de senhor de feudo e jagunço, outros asseveram ter sido apenas um poderoso sertanejo que soube como nenhum outro costurar na mesma colcha pessoas e situações antagônicas. Com efeito, em João Maria de Carvalho não há como se deixar de reconhecer sua maestria no trato do imprevisível e do oposto. Lidava com o tenente Zé Rufino, aquartelado na Serra Negra na caça de cangaceiros; era irmão de Liberato de Carvalho, o comandante da polícia baiana enviado especialmente para dizimar o cangaço e seu líder. Mas dava proteção a cangaceiros e ex-cangaceiros, perseguidos  e todos aqueles que batessem à sua porta como oprimido ou injustiçado.
Após o trágico episódio de Canindé, quando o cangaceiro Zé Baiano deixou os rostos de três mocinhas marcados com ferro em brasa, Lampião foi buscar sossego numa propriedade de suas propriedades. Diante da repercussão do fato, sabia que a polícia logo estaria no seu encalço e também que não havia lugar melhor para se acoitar senão sob os auspícios do poderoso baiano. E também porque sabia que um dos comandantes da perseguição seria justamente Liberato de Carvalho, irmão de seu protetor.
Verdade é que mesmo sendo irmão de Liberato de Carvalho, tenaz caçador daqueles que não hesitava em proteger, João Maria, como líder maior da região, exigia respeito de quem se arvorasse de comando e não admitia qualquer tipo de ameaça. Não permitia que suas propriedades fossem invadidas a bel-prazer da polícia nem que seus protegidos fossem importunados. Talvez daí a assertiva de alguns de que mantinha um exército de jagunços nas suas fazendas, tanto na Bahia como em Sergipe.
Para se ter uma ideia de seu poderio e mando além fronteiras, somente em Poço Redondo chegou a possuir nada menos que dez fazendas: Santo Antônio, Poço do Mulungu, Riacho Largo, Jurema, Recurso, Propriá, Exu, Pia da Barriguda,  São Clemente, Paraíso e Pindoba (em Canindé). O seu irmão Piduca era outro fazendeiro de renome na região, pois de sua propriedade eram as fazendas Queimada Grande, Santa Maria, Bate Lata, Caibreiro, Lagoa da Onça, Riacho Largo e Barraca dos Negros. Significa dizer que grande parte das terras de Poço Redondo pertencia aos filhos de Pedro Alexandre.
De sua Serra Negra enviava ordens, dava instruções, recebia missivas de governantes. Servindo também como conselheiro, não era raro que as decisões políticas importantes somente fossem tomadas após o seu parecer ou aval. Mesmo sendo amigo do poder, de onde extraía seu mando, tinha predileção especial em manter amizade e ajudar o sertanejo, fosse o matuto mais simples ou o perigoso de sangue no olho. Daí que protegeu desde Lampião ao desvalido ex-cangaceiro perseguido pela polícia.
Mesmo conhecido como tenente João Maria, não há como negar seu coronelato sertanejo. E foi nessa patente nordestina que pontuou sua caminhada até o merecido reconhecimento de hoje.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com 

Um comentário:

Anônimo disse...

Caro escritor Rangel: Conforme lhe falei certa feita, todas as suas crônicas e artigos, estão salvas em meu computador, uma vez que os mesmos sempre são úteis para meus modestos trabalhos. Contudo, muito mais importante é quando você escreve e posta matérias sobre o cangaço e os coronéis, como é o caso deste excelente texto que relata parte da vida do ilustre político João Maria de Carvalho das Terras de Serra Negra. Eu sabia perfeitamente de sua existência, mas conhecia pouco sua história. É uma história muito importante. Basta lembrar que aqui do nosso lado (Bahia), existe a Cidade Pedro Alexandre, certamente em homenagem ao patriarca da família Carvalho, o senhor Pedro Alexandre de Carvalho. Era na verdade uma família poderosa e uma prole de imensa extensão: Grande quantidade de filhos.
Parabéns pelo seu explícito texto e, continue postando outros referentes ao assunto, pois quem me "salva" neste sentido é o nosso amigo José Mendes, pelas suas variadas postagens.
Abraços,
Antonio José de Oliveira - Povoado Bela Vista - Serrinha - Bahia.