SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

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quarta-feira, 2 de dezembro de 2015

DE MAR A MAR


Rangel Alves da Costa*


Sem jamais sair da terra firme, porém vivendo de mar a mar. Sem jamais partir de um cais e nas águas adentrar para o azul singrar, porém vivendo de mar a mar. Sem jamais ter avistado ilhas, sentido o voo de gaivotas, colocando os pés em qualquer porto ou cais do mundo, porém vivendo de mar a mar.
E de mar a mar vai singrando ao sabor das ondas, das tempestades e vendavais, dos arremedos nas traiçoeiras encostas, dos mistérios aterradores que se escondem na ilusão das calmarias e rentes e abaixo das ondas. E de mar a mar vai seguindo na tormenta da vida, um náufrago sem proa e sem esperança de salvação. Que mar será este, que é tão terrível viver de mar a mar?
A solidão é um porto e a tristeza outro porto que se alongam de mar a mar. O sofrimento é um cais e a aflição outro cais que mesmo distantes se perfazem de mar a mar. A perda é um porto e a melancolia outro porto que se unem num só mar de mar a mar. O desalento é um cais e a lágrima outro cais aonde aportam as dolorosas ondas de mar a mar. O mar da desesperança se misturando às águas do mar das desilusões e de outros mares que vão além de mar a mar.
Às vezes a tristeza é tão grande que apenas um mar se faz pequeno para as lonjuras que se quer fugir. Às vezes, as lágrimas correm tão intensamente que encheriam mais que um mar. Às vezes, a necessidade de fuga é tamanha que se quer alcançar além do mar. Às vezes, as flores das desesperanças são tantas, as prendas das desilusões são tantas, as oferendas dos entristecimentos são tantos, que muitos barcos seriam precisos para espalhá-los sobre as ondas de muitos mares.
Quantos mares cabem num olhar choroso de saudade, numa face lavada de dores e tempestades? Quantos mares cabem por cima dos travesseiros, encharcando a cama, inundando lençóis, embebendo a fonte do amoroso e despedaçado coração? Quantos mares cabem nos olhos molhados de ressequidão, nos olhos tomados de vazio infinito, nos olhos encharcados de nada avistar além da paisagem em sombras? Quantos mares caberão nas lágrimas que ainda serão choradas antes do amanhecer?
De mar a mar o sofrimento, de mar a mar, a dor, a desilusão, a desesperança. Há um cais solitário esperando a solidão de alguém. Há uma concha na areia esperando o segredo que alguém contará sobre sua dor. Há um farol entristecido esperando iluminar alguém que chegue escrevendo poesia na areia e, de flor à mão, se aproxime das águas para renovar esperanças. Há uma onda que vem e que volta, mas que deseja se demorar sobre os passos de alguém sobre a areia. Mas tudo num só mar. E um mar é pouco para desaguar os infortúnios da existência.
Talvez partindo, de mar a mar, enfim seja possível encontrar um porto que vá além do desalento. Talvez viajando, de mar a mar, consiga outras experiências de vida que não somente abrir e fechar a janela, avistar o mesmo horizonte, sofrer o mesmo sofrimento, para depois padecer, sentir saudade, chorar, querer voar, querer morrer, querer o mar. Talvez seguindo, de mar a mar, um dia se afaste das procelas e temporais e encontre um tempo de calmaria. E ante a mansidão do mar e o voo suave das gaivotas, imagine ser possível encontrar a felicidade.
Assim, de mar a mar, os dias, as horas, os instantes de vida. Uma imensidão de mar e ainda tão pouco mar para tanto padecimento. E um dia ouviu que as águas dos mares, rios e oceanos, não são enxugadas com lenços ou com as mãos sobre a face. É preciso buscar o sol da felicidade para esvaziar toda água. É preciso abrir a janela e sorrir para que as águas transbordem e desapareçam do olhar. E sem mais motivos ou lágrimas para chorar, talvez o mar se transforme apenas em poesia. Não mais sofrimento de mar a mar.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

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