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quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

OLHARES E INTENÇÕES


Rangel Alves da Costa*


O significado do termo olhar, enquanto verbo transitivo direto e indireto,  não vai além de avistar, dirigir os olhos a algo ou alguém, mirar numa direção, contemplar, observar. Com efeito, olha-se para discernir, enxergar, avistar. Mas será somente assim que os olhos funcionam perante a realidade da vida?
Os olhos escondem mistérios. Suas retinas espelham intimamente e, por isso mesmo, abstraem da visão a forma daquilo que desejam avistar. Não é o simples olhar, mas a forma de olhar, o sentido provocado pela visão. E assim porque num olhar aparentemente inocente pode estar escondida uma intencionalidade que vai além da malícia.
Certamente que é o pensamento, por via da construção mental, que proporciona à visão a forma que desejar. A intencionalidade do homem – ou sua mente sádica e doentia – chega ao cúmulo de avistar um seio nu onde há apenas uma roupa, de enxergar a nudez por cima de uma calça, e assim por diante. Daí ser impossível saber da normalidade ou da má intencionalidade do olhar.
Ontem, passando pelo centro da capital, avistei uma jovem mãe amamentando sua filhinha diante de todos. Estava sentada num banco e com um dos seios fora da blusa e ao alcance daquela boquinha miúda, que prazerosamente sugava. Assim observei pela curiosidade ante a atitude de desatenção dos caminhantes.
Logo fiquei imaginando acerca da intencionalidade dos olhares das pessoas. Quem olhasse aquela cena talvez não avistasse além de um fato simples, corriqueiro, de uma mãe com seio de fora para amamentar sua filha. Até aí tudo bem, mas certamente aquele mesmo seio seria avistado de outra forma perante outra situação.
Um exemplo. Se aquela mãe estivesse desacompanhada da filhinha e sob o decote de sua blusa surgisse uma pequena mostra dos seios, não há que duvidar das intencionalidades maldosas dos olhares. E mais ainda se aquele mesmo seio que amamentou estivesse totalmente à mostra.
Significa dizer que a intencionalidade do olhar depende da intencionalidade da própria pessoa que olha. Voltando ao exemplo do seio, para muitas pessoas, um seio amamentando é apenas um seio que amamenta. Mas aquele mesmo seio será avistado de forma diferente acaso seja olhado apenas como um seio à mostra.
E isto implica em consequências. O seio que amamenta não desperta nenhuma curiosidade, nenhum olhar diferenciado, nenhum desejo interior. Mas o seio à mostra logo faz surgir desejos, volúpias, taras, impulsos sexuais, aflorações instintivas. Pelo simples fato de que aquele seio é visto como uma simples parte do corpo, mas este é percebido como verdadeiro órgão sexual da mulher.
Neste sentido, os exemplos são muitos. Por que uma calcinha feminina exposta numa loja não provoca o mesmo furor masculino que uma calcinha pendurada numa varal? Por que a calcinha no varal pode provocar mais a intencionalidade erótica que a mesma calcinha vestida pela mulher numa praia? Ou por que a mulher seminua na praia provoca menos desejo que a mulher que passa pela rua se rebolando ou com a saia quase mostrando a calcinha?
É a conotação sexual que diferencia e provoca a intencionalidade do olhar. Tudo aquilo que o homem – ou a mulher – deseje avistar com malícia ou intenção sexual, então assim será visto pelo olhar e sentido pelo resto do corpo. Tanto é assim que uma “cruzada de pernas” pode ser motivo suficiente para aflorar os sentidos mais depravados. Igualmente com uma roupa justa, com um decote mais acentuado, com umbigos de fora e bundas querendo saltar das roupas curtas demais.
Há olhares que se acostumam e outros que redescobrem o sentido das coisas. Talvez o segredo esteja no ato provocativo e não na nudez em si. Daí que para muitos não há a mínima excitação em meio a uma praia de corpos quase nus. Diferente ocorre quando alguém passa diante do olhar expondo a nudez abaixo das roupas ou insinuando o que tem a oferecer. Então não se avista mais a pessoa, mas apenas a nudez, o sexo, a intencionalidade.
Não é uma situação fácil de ser compreendida, principalmente pelo fato de que um corpo nu pode provocar menos desejo que um corpo que passa vestindo um longo. É que a nudez parece consistir numa posteriori comum, sem maiores segredos a ser revelados. Um corpo nu é apenas um corpo nu. E em situação tal, a intencionalidade do olhar já perdeu seu sentido, pois concretizado.
O que importa ao olhar é o ainda não descoberto, o não totalmente desvendado. É a vontade de conhecer mais que deflagra um mundo de fantasias e aberrações, ao menos na conotação sexual que se dá aos corpos que passam, às partes que se mostram, aos rebolados que chamam. E desnecessário usar óculos escuros, pois o olhar está na mente. E no pensamento mais ou menos obsceno de cada um.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

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