Rangel Alves da
Costa*
Há um
quadro na parede da história que outra moldura não possui senão a da madeira
velha e embrutecida, tingida num misto de sangue e sol, em cujo fundo se avista
um mundo de dor e sofrimento, de perseguições e injustiças, de homens valentes
e outros apenas vítimas, lançados na luta contra a própria sina.
Tal
moldura envolve um quadro que bem poderia se chamar Nordeste, sertão ou mesmo
fim de mundo. Ou somente Poço Redondo. Neste quadro, pincelado na força da vida
e da morte, do grito e do silêncio forjado, toda a memória de um povo e de um
chão, que embora hoje reconhecido e valorizado, no passado apenas visto como
uma toca peçonhenta e perigosa.
Ainda
sobrevive um pouco desse estigma de brutalidade e covardia. Contudo, é a
incompreensão do momento histórico em si, das forças que se digladiavam debaixo
da terra do sol, que infelizmente ainda permite interpretações confusas e até
preconceituosas da saga nordestina na sua vertente cangaço. Um olhar mais
aprofundado logo traz uma realidade muito diferente.
Nada ao
acaso, tudo com sua devida motivação. A miséria, as injustiças dos coronéis
donos do mundo, a fome e as secas produziram no semiárido nordestino um cenário
favorável à formação de grupos armados conhecidos como cangaceiros, que muitas vezes
praticavam crimes assaltando fazendas e matando pessoas. E logo a reação ainda
mais brutal de seus perseguidores: a volante.
Tal
fenômeno institucionalizou-se nas distâncias sertanejas e recebeu o nome de
cangaço. E cangaço originário de canga, e este termo tanto para designar jugo
ou opressão. Porque assim diziam que os humildes sertanejos viviam sob a canga
dos poderosos, dos latifundiários, do coronelismo.
Os
pesquisadores, contudo, divergem sobre seus propósitos e fundamentos do
cangaço. Para alguns, ele foi uma forma pura e simples de banditismo e
criminalidade. Para outros, uma forma de banditismo social, isto é, de revolta
conhecida como legítima pelas pessoas que viviam oprimidas.
De qualquer
modo, temos que o cangaço foi um fenômeno social ocorrido no Nordeste
brasileiro, de fins do séc. XIX até 1940, sob os resquícios de Corisco, o Diabo
Louro, vez que o grupo de Lampião, o mais famoso de todos, foi desarticulado na
chacina do Angico, nas entranhas do riacho Tamanduá, na famosa Gruta do Angico,
lá pelos idos de 28 de Julho de 1938.
É
consenso, contudo, que o cangaço foi motivado pelas condições político-sociais
peculiares da região, tais como a estrutura feudal da propriedade agrária e o
atraso econômico. Caracterizou-se pelo aparecimento de grupos de bandoleiros
errantes, que percorriam o sertão saqueando fazendas e cidades, fazendo justiça
com as próprias mãos e lutando contra bandos rivais e a polícia. Entre os mais
importantes bandos de cangaceiros destacaram-se o de Antônio Silvino e o de
Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião.
Foi
durante o reinado de Lampião que Poço Redondo, no sertão sergipano do São
Francisco, experimentou a convivência e o medo com as ações cangaceiras. Foi
palco de terríveis e sangrentas batalhas, foi aconchego constante para Lampião
e seu bando, foi onde o inteligente Capitão das caatingas teceu amizades, foi
berço de mais de duas dezenas de cangaceiros e também leito de morte para o
maior dos cangaceiros. E o próprio cangaço.
Muitos
fatos podem ser relembrados neste sentido. Foi após deixar a vida errante com a
morte do seu chefe, que o ex-cangaceiro Cajazeira se transformou no maior mito
da história poço-redondense. Ao sair ileso da chacina do Angico - mesmo tendo
perdido sua esposa Enedina - Zé de Julião procurou retomar sua vida tendo a
política como opção. Duas vezes se candidatou a prefeito e só não saiu
vitorioso pelas falcatruas eleitoreiras de então. E por causa disso passou a
ser novamente perseguido até ser assassinado covardemente.
Segundo os
relatos históricos, Lampião parecia mesmo ter escolhido Poço Redondo como uma
segunda casa sua. A primeira era a caatinga, com varanda de xiquexique e
assento de mandacaru. Mas a família era grande, era muita, espalhada por todos
os sertões nordestinos. E em Poço Redondo mantinha amigos fiéis, tinha
acolhida, comida à mesa, tudo o que precisasse. E também a simpatia de tantos
jovens que decidiram entrar para o seu bando.
Num misto
de temor e reverência, aliado ao fato de que o homem sempre estava por ali
desafiando as volantes, verdade é que mais de trinta filhos de Poço Redondo
seguiram a trilha do bando de Lampião. Mocinhas muitas novinhas, ainda na
adolescência, se encantavam com aqueles “artistas” das caatingas e seguiam seus
destinos de amor cangaceiro. Assim foi com Adília, Sila, Enedina, Rosinha e
outras. Dentre os meninos de Poço Redondo estavam, por exemplo, Cajazeira,
Canário, Elétrico, Mergulho, Novo Tempo e Zabelê.
Os
alfarrábios da história assinalam que os seguintes filhos de Poço Redondo
seguiram Lampião e seu bando, segundo seus apelidos e nomes:
Homens:
Sabiá (João Preto), Canário (Rocha), Diferente (Nascimento), Zabelê (Manoel
Marques da Silva), Delicado (João Mulatinho), Demudado (Zé Neco), Coidado
(Augusto), Cajazeira (João Francisco do Nascimento – Zé de Julião), Novo Tempo
(Du), Mergulhão (Gumercindo), Marinheiro (Antonio), Elétrico, Penedinho
(Teodomiro), Bom de Vera (Luis Caibreiro), Beija Flor (Alfredo Quirino), Moeda
(João), Alecrim (Zé Rosa), Sabonete (Manoel), Borboleta (João Rosa),
Quina-Quina (Jonas), Ponto Fino (José da Guia), Zumbi (Angelino), Cravo Roxo
(Serapião), Cajarana (Francisco Inácio dos Santos – Chico Inácio) e Azulão
(Luis Maurício da Silva). Um total de 25 cangaceiros.
Mulheres:
Sila (mulher de Zé Sereno e irmã de Novo Tempo, Mergulhão e Marinheiro), Adília
(mulher de Canário e irmã de Delicado), Enedina (mulher de Cajazeira, o Zé de
Julião), Dinda (mulher de Delicado), Rosinha (mulher de Mariano), Áurea (mulher
de Mané Moreno) e Adelaide (mulher de Criança, irmã de Rosinha e prima de
Áurea). Um total de 7 mulheres.
Como
demonstrado - e apenas em alguns fatos -, Poço Redondo teve uma participação
singular na vida do cangaço. Foi estrada, casa e leito de morte de Lampião. Foi
de onde se arregimentou uma juventude para uma luta inglória. Foi de onde
Durval silenciou acerca de tudo o que sabia sobre seu irmão Pedro de Cândido e
a suposta traição. E também de onde Alcino Alves Costa tudo contou para o
mundo. E como gostaria de ter conhecido o seu tio Zabelê.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
2 comentários:
Mestre Rangel: Desejando um FELIZ NATAL e um PRÓSPERO 2016 para você e família, pergunto: será que nestes passados três dias está visitando sua Poço Redondo, logo que após este texto não postou outros? Tenho quase certeza que está visitando nem só os familiares como os amigos do saudoso ALCINO ALVES COSTA que também são seus amigos.
Antonio Oliveira das Terras de Serrinha
Amigo Rangel, sou um aficionado pelo cangaço, leio desse os meu 11 anos sobre o cangaço e conheci a cangaceira Sila esposa de Zé Sereno e um antigo componente da volante que perseguiu lampião, mas eu era muito criança. A Sila a conheci já na universidade. Nasci e sempre morei no Paraná e em Curitiba capital. Já li muitos livros e tenho mais de 5000 pags que retiro da internet e vou organizando minhas leituras como se fosse um livro de pesquisas sobre o cangaço, Lampião e Maria Bonita e seus cangaceiros. Tenho uma dúvida que me persegue sobre a foto de 1938 na qual aparem as cabeças cortadas dos cangaceiros mortos no massacre do Angico na escadaria da prefeitura de Piranhas. Pergunto: a foto foi realmente tirara naquela escadaria, vide a escadaria ter dois lances de escada e não um como aparece na foto. Já busquei incansavelmente fotos antigas que mostre a prefeitura e sua escada em tempos antigos e não acho. Como seria possível um prédio histórico não ter sequer uma foto antiga que mostre sua escada e não só a atual em dois lances de degraus. Pergunto, ora bolas não é possível que não exista uma foto antiga sequer que mostre como era sua escada no tempo do massacre. Você poderia me ajudar? Meu e mail wgallius@bol.com.br
Desde já agradeço vossa atenção
Att. Gallius
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