SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



quinta-feira, 8 de setembro de 2016

CHEIRO DE PASSADO


*Rangel Alves da Costa


Naquele Poço Redondo do passado, dois cheiros eram inconfundíveis: o do café de Dona Lídia e o fígado acebolado de Dona Jarde. O café torrado, peneirado e feito em fogão de lenha de Dona Lídia, era realmente coisa de encantar. Quem estivesse na Rua de Baixo ou na Rua de Cima, ou mesmo noutras lonjuras da cidade, não havia como deixar de sentir, sempre ao entardecer, um pouco antes da boca da noite, aquele aroma perfumado subindo pelo ar, inebriando o olfato, atiçando os gostos e as vontades.
Com o fígado acebolado de Dona Jarde não era diferente. A esposa de João Lameu possuía venda de comida de feira numa das laterais do mercado (onde hoje funciona a venda de Luiz Carlos). Funcionava todos os dias, mas as caldeiradas de carne nova, os guisados e os cozidos, além de assados e muito mais, eram encontrados em abundância nos dias de feira, quando visitantes e feirantes podiam se fartar daquele tempero famoso. Mas o seu fígado acebolado possuía especial distinção, pelo sabor e o aroma que exalava pelos ares sertanejos. Muita gente da cidade ia ali somente para pedir uma porção e depois tascar farinha por cima. E a conta um quase nada.
Por relembrar o esposo de Dona Jarde, o igualmente inesquecível João Lameu, também rememoro uma história dando conta de como ele enriqueceu na estrada entre a cidade e a fazenda Santa Rita, onde era vaqueiro. Tudo aconteceu assim. Depois de tomar umas cangibrinas a mais no dia da feira, aguardente da boa com casca de pau, João Lameu já tomou o caminho de casa mais pra lá do que pra cá. Com o tempo já escurecendo, eis que o vaqueiro encontra uns restos de carcaça de vaca e não tem dúvida: é ouro! Não se sabe se jogou fora a feira que levava, mas a verdade é que encheu o saco de osso de vaca. Ao chegar à porteira, num pé aqui outro acolá, foi logo gritando: “Jarde, minha fia, tamo rico. Oi aqui quanto ouro eu achei!”. Não se sabe se Dona Jarde tacou-lhe o tesouro nas fuças, mas a verdade é que essa estripulia acabou se espalhando.
O tempo passa e a gente vai vivendo novas situações que nem parecem com aquelas dos tempos idos. As festas de agosto são exemplos disso. Quem teve o prazer e a felicidade de vivenciar uma festa dançante nos tempos idos, certamente nem vai considerar como festa o que hoje se tem. Já escrevi sobre isso num texto que denominei “Baile Antigo”, onde, dentre outras coisas, citei:
“Naqueles tempos, as bandas eram concorridíssimas em toda a região nordestina. Indubitavelmente, a melhor de todas era a sergipana Los Guaranis, ainda ativa em Lagarto. Mas também outras como Lordão, Tuaregs, R Som 7, Embalo D e Dissonantes, dentre outras. E quanto mais aparelhagem e jogos de luzes mais eram apreciadas.
E quando se falava em baile com nome de banda boa, então a festa passava a ser o comentário principal da cidade e redondezas, com a moçada ansiando pelo grande dia. Momento único para conhecer novas pessoas, para começar namoros ou simplesmente curtir, como diziam por lá. Na festa de agosto, na comemoração da padroeira da cidade, era certeza de baile. Roupa nova, sapato engraxado, expectativa, era só esperar o momento chegar.
Naqueles bailes antigos do mercado, era uma música internacional cantada por um grupo brasileiro aquela que mais cativava. Quando a banda começava “My mistake”, do Pholhas, todos pareciam tomados de emoção, com sentimentos aflorados, instigados ao romantismo. E seguiam para dançar de rostinhos colados, deliciosamente apaixonados.
E a inesquecível e inebriante canção: There was a place that I lived/ And a girl, so young and fair/ I have seen many things in my life/ Some of them I'll never forget/ Everywhere.../ I was sent to prison/ For having murdered my wife/ Because she was living with him/ I lost my head and shot her…
Tempos bons. Romantismo nostálgico. Mas eis que os anos... Ah! O tempo, o tempo...”.
Como pelos arredores do mercado era quase tudo de ruas e becos escuros, já se aproximando dos quintais, então os namoros se perdiam na escuridão. E por isso mesmo muita mocinha e rapazinho sem saber o caminho de volta. Mas aí é outra história.


Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com

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