SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

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domingo, 10 de setembro de 2017

COM NIETZSCHE, NA ESTRADA


*Rangel Alves da Costa


Pela razão e pela consciência, vivo além do bem e do mal para ser estar apenas perante o espelho da realidade. E reconheço que o espelho sempre quebra ante o que é avistado.
O que me dói é saber que tudo é humano, demasiadamente humano. Na pele, na carne, na alma, tudo assim aflige como se uma eterna navalha estivesse abrindo feridas.
Querem fazer acreditar que Deus morreu. Fazem da morte de Deus uma forma de colocar na mão do homem os destinos do mundo. Matam a Deus para matar a si mesmos.
O que é a moral senão a inibição do homem perante seus impulsos e desejos? Será mais moral ou mais imoral o fingimento ou passivamente aceitar os ocultos que afligem o ser?
Quando o homem castra-se a si mesmo em nome da moral, certamente que estará apenas alimentando um imoral disfarce. Não se pode negar ao homem o seu desejo de sentir a si mesmo.
O homem, suposto dono de seu destino, sempre caminha a uma encruzilhada. E na incerteza, sempre escolhe o caminho que lhe parece mais fácil de alcançar seus objetivos. Mas ali estará o abismo.
O mal e o bem são inevitáveis. Sempre haverá o mal e sempre haverá o bem. A procura pelo mal e a busca pelo bem se afeiçoam ao próprio homem e seu desejo de mundo. Por isso que tanto mal pelo mundo.
O mundo está repleto de interesses ocultos, de verdades escondidas e odiosas realidades. O homem nunca caminha pelo que seu olho avista, mas sempre em direção ao que o seu interesse lhe guia.
Não sou um Nietzsche nem sou um Schopenhauer, mas sinto na alma e por todo o ser as dores do mundo. Talvez o Zaratustra que há em mim poderia dizer a minha verdade: não há como não ser pessimista ante a deturpação do otimismo da vida.
Ora, como ter otimismo num mundo onde o próprio homem matou o seu Deus para do mundo se arvorar? Achando ter dispersado o rebanho perante a morte de seu pastor, mais adiante o homem tenta reunir cada cria para as forças de seus mais escusos interesses.
Sim, o homem deve pensar por si mesmo. Mas será o homem capaz de pensar por si mesmo? O que se tem é um homem fazendo desse pensar por si mesmo uma forma de fazer com que os outros homens se voltem para o seu pensamento e se tornem submissos de suas irracionalidades.
O homem deve ser sua própria potência para o seu próprio florescimento. Nada que brote do homem deve ser para devastar ou destruir. Contudo, o que se tem no homem senão a demonstração incessante da capacidade de viver para o mal e do mal praticar a todo instante?
Não sei se assim falou Zaratustra, mas certamente morava na sua mente a ideia de um jardim escondido dentro de corpos apodrecidos. Corpos devastados pelas incoerências e jazendo pelas irracionalidades, porém sem jamais ter a coragem de mostrar qualquer beleza interior.
Na verdade, o homem não existe. Acaso existisse, o homem seria o destino do homem, e o seu destino não é somente a maldade, a desumanidade, a barbárie, o terrorismo, a carnificina. Aquele outro homem oculto seria não inverso de tudo, porém mais consciente de vida não é somente para a prática do mal.
Como ter medo de gatos pretos, de escadas no meio do caminho, de encruzilhadas, se nada disso é relevante na vida? Não há como se ter medo daquilo que não produza feridas na própria existência. E somente o homem revestido de gato preto, de escada e de encruzilhada, pode destruir não só a passagem como a própria vida.
Não há de ser pessimista, vem sua voz me dizendo. Enquanto isso tanto faz que tudo tanta faça. Enquanto cruza os braços e adormece a consciência, os lobos descem das estepes para uivar nos umbrais de suas janelas.


Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com

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