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quinta-feira, 17 de maio de 2018

O POUSO DAS ANDORINHAS NO CHÃO SAGRADO DE ALCINO



*Rangel Alves da Costa


Outro dia eu escrevi um texto onde falava sobre a volta das andorinhas sobre os céus sertanejos de Alcino Alves Costa, meu pai. “Sim, Seu Alcino, as andorinhas voltaram”, foi o título que dei.
Naquele texto, as andorinhas simbolizavam os muitos amigos de Alcino que voariam sobre os sertões para celebrar a memória, a saudade, a alegria de reencontrar o mundo-sertão que foi a aspiração, a síntese de toda a vida do saudoso Vaqueiro da História.
Vaqueiro da História ou O Caipira de Poço Redondo, como também se autodenominava. Vaqueiro por que indo nas entranhas dos carrascais sertanejos e nos entrelaçados dos cipós e catingueiras para desvendar a saga maior de um povo. Caipira por que não se via e se sentia senão como um humilde narrador de seu mundo.
Naquele texto, os amigos simbolizados eram aqueles aos quais Alcino se entrelaçava em profunda amizade e constante diálogo, e com cada um construindo e reconstruindo a história do sertão e sua saga de heróis, bandidos, covardes e atrevidos. Um mundo de cangaceiros e volantes, de beatos e missionários, de coronéis e jagunços.
Que mundo tão rico e tão belo aquele (e este) onde as craibeiras douradamente floravam ainda que sombreando uma raça tão hostil e tão temerosa. Num mundo-sertão tão assim: o umbu despencando da copa carregada e caindo bem na boca do mosquetão, do mosquetão, da arma sedenta de sangue.
Que mundo tão feio e tão repugnante aquele (e este) onde a catingueira seca e desfolhada era contrastada com o brilho soberbo e os adornos ricos e coloridos daqueles que cruzavam os seus caminhos de armas nas mãos e corações enferrujados pelas maresias daquele mar tenebroso chamado cangaço.
Este o mundo onde Alcino e seus amigos buscavam e rebuscavam, dialogavam e escreviam, a cada passo e cada encontro. E que prazer imenso sentia Alcino em reencontrá-los, em chegar perto para um abraço, em fazer parte de seus mundos e de suas vidas. Tanto assim que até deixava suas havaianas num canto para calçar sapatos.
Mas um dia Alcino partiu, alçou voo pelas distâncias do além. Subiu aos céus e se fez passarinho sertanejo de viver entre as nuvens. Por isso que mesmo ausente, seu olhar ainda se estende e se alonga sobre as vastidões do seu amado sertão, do seu povo, de sua terra e mesmo sobre tudo aquilo que ainda está enraizado para ser descoberto.
Lá do alto, lá feito passarinho onde estiver, Alcino agora aumenta o seu sorriso ao avistar nos horizontes a revoada das andorinhas rumo seu sertão. Sim, Seu Alcino, as andorinhas já estão chegando, já acenam do alto, já dizem que os seus destinos é Poço Redondo.
E não vai demorar muito para que as andorinhas, todas elas voando no sopro mítico do Cariri Cangaço, pousem no seu chão sagrado, coloquem os pés sobre a sua abençoada terra sertaneja. Aves de arribação que fizeram a melhor escolha: fazer ninho em meio às folhagens de tanta história e tanta glória!
E que bom avistar as andorinhas em pouso firme, alegre, contente. E que bom receber as andorinhas com seus cantos e canções pela felicidade do reencontro com o mundo de Alcino. E todas elas se encantando com o já frutificado e com o que se mostrará como nova flor na história sertaneja.
Não há como pensar diferente. O simbolismo das andorinhas no chão sagrado de Alcino sintetiza bem o significado do grande evento que se avizinha: uma revoada de amigos chegados para reverenciar a terra e o chão daquele que tinha no coração um pulsar chamado sertão.
E que venham as andorinhas, que logo cheguem e pousem as andorinhas. Pássaros amigos de Alcino, pássaros que trazem consigo os grãos da sabedoria e do conhecimento para serem mais uma vez semeados sobre a terra daquele que nela ainda se faz presente, mesmo do alto, mesmo entre as nuvens.


Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com

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