SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

A CADEIRA DE BALANÇO E A VELHA SENHORA (CRÔNICA)

A CADEIRA DE BALANÇO E A VELHA SENHORA

Rangel Alves da Costa*



Não sei bem o porquê, mas quando vejo uma cadeira de balanço me vem logo ao pensamento lembranças de tardes, de sombreado de árvores, de idosos rememorando tempos idos, de vento brisa soprando, de recordações distantes, de lembranças e saudades.
Ao entardecer, quando o sol se cansa de fazer sua festa, é hora de colocar a cadeira de balanço na calçada, na varanda, arrastá-la pra debaixo da árvore frondosa, posicioná-la estrategicamente onde o vento avança, onde possa ver o que se passa adiante ou simplesmente onde a solidão do lugar e a paisagem sejam o cenário propício para o reviver da vida inteira.
No sertão da minha meninice, a cadeira de balanço possuía – e creio que ainda possui – um significado especial, até mesmo sociológico. Ora, a vida não é somente trabalhar, comer, deitar numa cama e dormir. Ao entardecer, assim que o sol vai esmorecendo, as portas vão se abrindo e as cadeiras vão pontuando, uma aqui outra mais adiante, e de repente as pessoas começam a se balançar, tricoteando, lendo a velha bíblia, vendo o artista famoso na revista antiga, brigando com os netos que brincam ao lado, olhando se vai chover ou se vai ser mais um ano de seca, se abanando pelo calor ainda insuportável, dando boas tardes para os que passam, proseando com a vizinha que chega, cochilando. Êta vidinha besta, como diria Manuel Bandeira, que é essa encantadora vida na cidadezinha sertaneja, com suas tardes e cadeiras de balanço.
Meninote sapeca, quando ia fazer sua ronda ao entardecer pra caçar passarinho, tomar banho de riacho ou roubar goiaba nos quintais das redondezas, Joãozinho sempre passava pelos quintais, grandes, com árvores frutíferas e galinhas ciscando perto do cercadinho das plantas medicinais. Quintal sertanejo é quase sempre assim. Seguindo seu itinerário, o garoto passava por um local que lhe despertava especial atenção.
Diferentemente do que as outras pessoas geralmente faziam, que era sentar nas suas cadeiras na parte da frente da casa, uma velha senhora preferia ficar na cadeira de balanço de vime embaixo de um pé de umbu-cajá, deixada dia e noite ali no quintal. Toda vez que passava lá estava ela, se balançando levemente, com o seu pano amarrado na cabeça, a face enrugada tristonha e os olhos mirando o alto, o horizonte, e enxergando todo um passado. Joãozinho tinha certeza que muitas vezes ela chorava.
Sempre investigativo, querendo saber de tudo, o molecote resolveu perguntar à sua mãe sobre a vida daquela velha senhora que via todas as tardes. A mãe foi logo dizendo que, pelo que sabia, aquilo era uma história longa e triste. Aquela senhora, conhecida como Dona Maroca, havia sido muito rica no passado. De família abastada e dona de muitas terras e rebanhos, estudou na capital, sabia como ninguém o latim e outras línguas e tocava piano como ninguém. Até que teve a desdita de se apaixonar por um moço humilde ali mesmo do sertão, com quem fugiu, vez que o pai havia ameaçado expulsá-la de casa se continuasse com aquela loucura. A mãe, como não podia fazer nada, o jeito que deu foi enviar às escondidas um bom dinheiro para que sua filha ao menos comprasse uma casa para viver com dignidade junto àquele que ela escolheu como companheiro. E assim comprou aquela casa, onde até hoje residia. Perdeu seu marido ainda cedo, encontrado morto em circunstâncias que até hoje não foram bem explicadas. E assim ela ficou sozinha, sem filhos, somente com o seu piano e o seu dia-a-dia de recordações e tristezas.
No outro dia, Joãozinho tomou coragem e resolveu conversar com aquela senhora. Passando por ali, pediu licença para entrar no quintal e foi se aproximando da cadeira de balanço. Mesmo com ar tristonho, com uma leve marca de uma lágrima esquecida, ela foi agradável e acolhedora com o garoto. Disse que podia vê-lo todas as tardes quando passava por ali, perguntou se estava estudando, do que gostava, enfim, fez surgir um pequeno e agradável diálogo. Ele respondeu muito mais do que perguntou, porém fez uma pergunta interessante: "É verdade que a senhora tem um piano, como é um piano?". E ela respondeu que há muito tempo não cuidava do seu piano e que o mesmo vivia coberto por lençóis, mas que no dia seguinte prometia que mostraria a ele como era um piano e até poderia tocar umas duas notas para ele ouvir. Isso iria lhe doer muito, mas jurou que faria.
Ansioso para matar a curiosidade, ao entardecer do dia seguinte Joãozinho tomou apressadamente o rumo do quintal da velha senhora. Para surpresa sua, avistou somente a cadeira levemente se balançando, mas nada da senhora.Viu que a porta dos fundos da casa estava fechada e nenhum sinal da presença da velha pianista. Ficou rondando por ali mais de uma hora e nada. Voltou para casa e imediatamente contou o ocorrido à sua mãe. E ela, olhando firmemente e acariciando o cabelo do filho, disse: "Você não vai mais encontrar ela lá, pois hoje de manhã encontraram ela caída morta junto ao seu piano".
Joãozinho passou muitos dias entristecido, pela morte da senhora e porque não pôde conhecer como era um piano. Durante duas semanas mudou sua rota de caminhada, evitando passar pelo quintal. Um dia, porém, quando resolveu retomar seu caminho habitual, ao passar pelo quintal ouviu uma bela música vindo de dentro da casa. Era uma suave música tocada ao piano. Todos os dias ele passava para ouvir. E somente ele ouvia...



Advogado e poeta
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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