SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

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quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

NO REINO DO REI MENINO – XIII

NO REINO DO REI MENINO – XIII

Rangel Alves da Costa*


“Alguém me ensinou que para ser um rei não é preciso viver rodeado de luxo e riqueza, rodeado de certas pessoas que só querem tirar proveito do poder e longe das pessoas que formam o seu reino e dão vida ao reinado. Alguém me disse também que para ser rei não é necessário ter uma coroa que tenha valor maior que o próprio reino, roupas luxuosas que são mais caras do que aquilo que possui e veste toda a população e comida que só tem boniteza e custa uma fortuna, mas que não tem o mesmo sabor da comida que o povo prepara em suas casas e come, mesmo que seja pouca ou quase nada. Quem me disse tudo isso foi um grande amigo meu, que todos chamam de feiticeiro do bem, mas eu chamo simplesmente de amigo. Vocês vão conhecer ele melhor e saber o que estou dizendo. Mas esse amigo não me ensinou a dizer o que vou dizer agora e quero que todos ouçam isso como palavras de rei. Pois bem, vamos lá. A primeira coisa é que esta coroa toda feita de ouro e enfeitada de jóias e pedras preciosas que vocês estão vendo ali, deixará de pertencer ao rei e ao Reinado de Oninem...”.
Um murmurejar se formou. As pessoas presentes olhavam umas para as outras sem entender nada, procurando uma resposta para saber o que o rei menino queria dizer com a coroa deixar de pertencer ao reino. Alguns diziam baixinho que era isso que dava colocar um frangote daquele como rei; outros diziam que não passava de brincadeira de criança; e ainda outros afirmavam que mesmo novinho o menino já estava enlouquecendo. O velho sacerdote exigiu silêncio para que o rei continuasse a falar.
“Como eu estava dizendo, aquela coroa deixará de pertencer ao Reino de Oninem porque iremos vendê-la para investir o valor de sua venda no próprio reino. Quem trabalha para o reino não precisa receber? Os nossos valentes comandantes e soldados não precisam viver com dignidade? O povo não precisa de terras apropriadas para plantar e colher seu ganha pão? Os pequenos artesãos não precisam de incentivo para ampliar seus negócios? O reino não precisa de armas mais modernas para se proteger? Então, o dinheiro recebido com a venda da coroa será investido em tudo isso e muito mais, até que a gente possa colocar o reinado em ordem e fazer com que ele seja novamente invejado e respeitado por todos...”.
Neste momento os gritos e os aplausos eram ensurdecedores. Muitos coravam e choravam de alegria; alguns desmaiaram e tiveram que ser amparados pelos outros de feições também combalidas de emoção. O velho sacerdote se benzeu ao ver, por um só instante, Bernal surgir como aparição atordoada ao lado do rei. Foi novamente exigido que fizessem silêncio para que o rei prosseguisse com suas palavras.
“Vocês podem até achar loucura o que vou dizer agora, mas tenho que dizer logo para que não tomem como surpresa depois. Amanhã, a partir das dez horas, os pais que tiverem filhos homens entre seis e oito anos, nem menos nem mais que isso, deverão levá-los ao castelo, ao meu encontro, pois todo o conselho do reino passará a ser formada por meninos entre os seis e os oito anos, na faixa da minha idade, que tenho sete. Eu mesmo escolherei a dedo, olhando no olho de cada um, escolhendo aqueles que me auxiliarão no comando dos destinos de Oninem...”
E revirou tudo novamente. O que antes era demonstração de júbilo e alegria agora se transformava em gestos de dúvida e preocupação. “Eu não disse que o menino tava doidinho? Olhe aí o resultado”, disse um. “Quem é que vai acreditar e respeitar um rei menino, com o juízo doente, e um reinado de meninada?”, indagou outro. “Me perdoe meu Deus, mas nunca ouvi tanta asneira em toda minha vida. Amanhã mesmo vou me aposentar de minhas funções religiosas, sob pena de morrer numa situação como essa”, disse o velho sacerdote olhando para o alto. E continuou o rei Gustavo de Oninem:
“Vou provar a todos do que somos capazes. E isto é palavra de rei. Só mais uma coisa. Agora podem ir se divertir, beber com cuidado e brincar, mas só acho que ao invés de comerem a carne toda na festa melhor seria se levassem a parte que caberá a cada um para casa, pois lá terá maior serventia na alimentação dos seus filhos e do restante da família. Era somente isso que tinha a dizer e muito obrigado pela presença de todos. O rei fará o que tiver ao seu alcance por vocês, e isso eu garanto”.
Como é de praxe em cerimônias de coroação, após o ritual muitos foram os presentes para o rei, colocados ao lado do altar. Naquela ocasião consistiam apenas em pequenas lembranças oferecidas por um povo que não tinha como agradar ao seu novo soberano com presentes mais valiosos. Contudo, em meio aos humildes agrados realçava um caixote mediano, embrulhado com seda da fina textura e enlaçado por fitas com acabamento dourado. Era um misterioso presente enviado por um desconhecido rei.
No retorno ao castelo, andando animadamente junto ao povo, Gustavo não pode perceber um cavaleiro posicionado além dos portões da fortaleza real. Aquele não havia trazido presente algum, mas fora enviado como espião pelo rei mal-afamado que dera guarida ao se pai, o fugitivo Lucius. O que estaria espionando tal cavaleiro?


continua...



Advogado e poeta
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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