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segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

AS PATACOADAS DE ESTRIPULIA (Crônica)


Rangel Alves da Costa*


O nome do homem era até de gente decente: Alcipreste Ciprestino dos Santos. Contudo, danado demais, zanzando na reinação sem fim, cheio de molecagem de não acabar mais, acabou sendo mais conhecido como Estripulia.
Pra quem não sabe, pelas bandas de cá do Nordeste, estripulia significa travessura, molecagem, safadeza, arteirice, enfim, tudo aquilo que um cabra faz além da normalidade das atitudes da vida.
O Estripulia era assim, pois, um mestre na feitura de estripulias. E tanto vivia fazendo armação, coisa errada e invencionice, que ao passar num lugar as pessoas logo diziam que ali ia o Estripulia pronto pra fazer mais uma de suas patacoadas.
Patacoada é outra coisa que nem todo mundo entende o significado, mas é algo até simples demais de saber. Patacoada e estripulia é quase a mesma coisa, só que na primeira o que se vê é o resultado da danação.
Assim, patacoada é uma invencionice, uma história mentirosa, palhaçada, embuste, fanfarronice, lambança. E patacoada Estripulia sabia fazer com maestria. Parece até que levava a vida somente matutando o que fazer de errado mais adiante.
Não tendo o que fazer de mais importante, fez chegar ao ouvido de uma mal falada do lugar que naquela mesma tarde ia pregar na porta da igreja uma lista com os nomes de todas as mulheres que botavam pontas nos maridos.
Foi um deus nos acuda, um corre-corre de não acabar mais. Pelas ruas, becos e escondidos uma leva de mulheres desconfiadas, nervosas, em tempo de botar os bofes pela boca, e tudo para saber de Estripulia se o seu nome estava incluído na tal lista.
Mas assim que conseguiram encontrar o embusteiro, no mesmo instante o salafrário mudou de estratégia e disse que elas não se preocupassem nem um tiquinho assim, pois sua intenção era totalmente outra. E disse qual era.
E foi pior, pois afirmou que na verdade a lista que ia ser pregada continha apenas os nomes dos homens corneados, os que levavam chifres das esposas, noivas e namoradas. Mal acabou de falar e já teve que sair correndo, pois no mesmo instante a nova chegou ao meio da praça, exatamente onde os homens honrados se reuniam para falar da vida dos outros.
Assim que souberam da intenção de Estripulia saíram com mais de mil atrás do cabra. Só conseguiram encontrá-lo duas horas depois, devidamente escondido debaixo da cama de sua avó. Quando a velha avistou mais de cinco raivosos na sua saleta, perto da porta do quarto, lançou mão de uma espingarda de chumbo batido e apontou na direção, perguntando o que queriam.
Foi informada do que se tratava, o que os fazia estar ali daquele jeito e tão aflitos, mas que a intenção não era fazer mal algum, e sim propor algo totalmente diferente ao seu bondoso neto. Na verdade, queriam apenas saber se os seus nomes estavam incluídos na lista dos cornos do lugar.
Acaso estivessem pagariam um preço bom para serem excluídos. Não que tivessem vergonha de levar chifres das esposas adulterinas, mas pelo medo danado que assim acontecendo elas resolvessem assumir a sem-vergonhice de vez e abandoná-los, trocando-os por qualquer um.
Diante da ocorrência, a velha – de cujo sangue certamente Estripulia trazia herança maior - baixou a arma e propôs que imediatamente entregassem certa quantia a ela mesma que o problema estaria resolvido.
E assim foi feito, na promessa de que o reinoso não levasse, sob hipótese alguma, seus nomes corneados ao conhecimento da população. Bastava o que já sabiam das traições de suas digníssimas. E saíram de lá sem saber que Estripulia há muito que já havia pulado a janela e se encontrava na sacristia da igreja, segredando com o vigário. Padre não, um fofoqueiro de marca maior.
E na missa dominical, com a igreja repleta de fiéis, daqueles mesmos casais envolvidos na lista do embusteiro, além de beatas farejando fofocas para o festim da desonra, ao invés do sermão o que se viu foi o padre abrir a boca para falar da desagregação familiar, das infidelidades e dos pecados extraconjugais. E disse todos os nomes, de traídos e traidoras, de chifrudos e quengueiras.
A avó de Estripulia, sentada que estava num dos primeiros bancos, ali mesmo deu um piripaqui e morreu arroxeada; as beatas se abanavam nervosas, sem acreditar no que ouviam; os casais foram desfeitos ali mesmo, com chifrudos saindo por uma porta e adúlteras por outra.
Mas enquanto o mundo acabava para tantos, Estripulia pregava no coreto da praça uma lista com as safadezas do padre. Impossível citar as sem-vergonhices do vigário.

  
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

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