SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

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quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

JÁ QUE O MUNDO VAI ACABAR MESMO... (Crônica)


Rangel Alves da Costa*


Está confirmado. Não tem mais jeito. O mundo vai acabar mesmo. Os maias tinham razão. Os Baktuns não estavam blefando não.
Se ainda restava alguma dúvida – o que também seria uma pontinha de esperança -, agora é fato certo. O final dos tempos está chegando. Ao menos para esta geração.
O raio do sol incidiu nos arcos do Grande Templo e os símbolos de difícil decifração enfim puderam ser lidos: 21 de dezembro de 2012. Sem trombeta, sem anjo, apenas a bola de fogo.
E nos arredores do Grande Templo, numa barraquinha providencialmente instalada, alguém se passando por descendente do grande povo ensina, em troca de algumas moedas, o que deve ser ou não feito nesses últimos dias.
Perguntado por que estava vendendo seus ensinamentos, já que o lucro quase não lhe terá serventia diante do iminente fim do mundo, então ele, desconfiado, simplesmente respondeu que é sempre bom ter algum no bolso quando chegar ao outro lado.
Mas, colocado o dinheiro no bolso, olha em direção aos arcos do Grande Templo e vai dizendo, segundo lhe pareça justo dizer a um e a outro segundo a sua feição. E sempre começa com o mesmo mote: Já que o mundo vai acabar mesmo...
Não é fácil encontrar quem ainda queira vender fiado para ser pago somente após o grande dia, mas se achar quem aceite receber depois, então faça a festa. E nem precisa se preocupar com faturas, cobranças, nome sujo na praça...
Procure logo fazer tudo o que não conseguiu até hoje, afinal de contas resta menos de dez dias. É pouco tempo, mas ainda assim poderá comer em demasia, esquecer de vez o regime, se empanturrar de docinhos e salgadinhos. Isso porque não haverá tempo de ser chamada de balofa, baleia ou imensidão parecida.
Prometa, prometa, prometa mais ainda, mas tudo para ser cumprido depois do dia 21. Inadvertidamente alguém acreditará no que diz, na promessa feita, e então tirará o proveito que bem entender. Prometa o impossível, o inacessível, o irrealizável, já que nada será cumprido mesmo.
Por acaso, se daqui até lá algum médico desavisado disser que infelizmente você só tem alguns meses de vida, trate logo de dizer que então ele está com a mesma doença sua. E vai morrer bem antes disso, pois dentro de poucos dias. E tire um sarrinho na cara, diga que está pálido, de olhos profundos, já parecendo um defunto.
Pode rasgar tudo que for conta que deva ser paga depois do dia 21, mas não se esqueça de fazer muitas compras antes. Chegou o momento ideal de comprar aquele carrão dos sonhos, importado, reluzente; roupas de grife, joias caríssimas, perfumes franceses. Pena que só terá poucos dias para usufruir de tudo isso.
Se houver casamento marcado, termine tudo, até o namoro. Impensável namorar apenas um nessa situação de vexame. Já que os homens também estarão desesperados, então aproveite o máximo que puder. Se alguma namorada ou esposa vier com gracinha diga logo na cara que no dia 22 devolve o seu homem.
Gastar, gastar e gastar, eis a melhor opção para quem não terá o que fazer com dinheiro depois do dia 21. Se o dinheiro faltar tome emprestado a parentes, em bancos, em qualquer lugar que faça empréstimo a juros. Ora, só terá a usufruir sem ter de pagar nada depois. Também não restará ninguém para cobrar.
Atire pela janela tudo que lhe dá raiva. Roupas velhas, sapatos antigos, baús de recordações. Basta alguma coisa que dê pra chegar ao dia 21. Mas aproveite e encha o guarda-roupa com as compras novas. Não significa que vá usar, mas apenas matar uma vontade danada de ter tudo aquilo.
Telefone para aquele chefe insuportável e diga-lhe umas duas, rebaixando-a ao lugar dos vermes; aos parentes intoleráveis diga que o seu dia está chegando; àquela vizinha falsa e mentirosa diga que vai lhe presentear com um relógio. Para marcar o tempo de desaparecer de sua frente.
Mas chegou um visitante que deixou o dito sábio um tanto amedrontado. O homem pagou em dobro, porém disse que se o mundo não acabasse mesmo no dia 21 ele voltaria até ali para fazer, com as próprias mãos, a vez do destino.
Então o trambiqueiro olhou para os arcos e disse a si mesmo, silenciosamente: Sinto que não vou durar muito. Desse jeito nem vou chegar a ver o mundo acabar.

  
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

Um comentário:

Anônimo disse...

Pior é se der uma louca no mundo e todo mundo resolver gastar por conta do último suspiro. Até Papai Noel anda folgado,sem comprar nada pra ninguém afinal o Natal é depois do dia 21...
Adorei sua crônica e a maneira que vc usou para falar essas crenças que as pessoas adquirem tão fácil.Jesus disse que ao homem não foi dado saber o dia e hora em que o fim se daria, apenas os sinais evidenciariam. Então, marcar dia e hora é desacreditar a Palavra de Deus e eu fico com Ela.
bjks