SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



domingo, 2 de dezembro de 2012

SEM ADEUS NEM BILHETE (Crônica)


Rangel Alves da Costa*


Não vou negar. Tomei susto sim, fiquei espantado, sem entender nada. Quis espernear, quis chorar, quis até ir atrás. Mas depois resolvi deixar assim mesmo.
Não dei motivos, não maltratei, nada fiz para ser assim. Pelo contrário, tudo foi feito para ser exatamente diferente do que acabou acontecendo, numa partida sem razão ou explicação.
Deitei ao seu lado, conversei, sussurrei, murmurei, abracei, beijei, amei. Prometi além do que sabia ser possível realizar, e mesmo porque já a havia presenteado com o inimaginável pra qualquer um. Terá sido o meu erro?
Adormeci feliz, deitado juntinho do corpo, sentindo sua pele na minha, e até sonhei sonho bom demais de acontecer qualquer dia. Mas quando acordei, passei o braço ao redor, abri o olho e nada encontrei. Achei estranho demais.
Gritei pelo nome, pois podia estar na cozinha, no banheiro, na sala. Repeti o chamado muitas vezes e nenhuma resposta. Intrigado, resolvi levantar e ir procurá-la. E ao avistar a porta aberta pensei poder encontrá-la recebendo o ar refrescante do alvorecer.
Saí porta afora, andei de canto a outro e nada de avistá-la. Chamei novamente o seu nome, gritei. Já estava preocupado demais. Voltei correndo para me certificar se era verdade o que a intuição já havia concebido.
Abri armários, os pacotes e caixas dos presentes dados, procurei a mala e a frasqueira. As roupas não estavam ali, tantas outras coisas também não, e da mala nem sinal. Levou tudo, calçados, perfumes, batons, bijuterias, o que fosse de uso próprio. E não tive mais dúvida.
Não havia outra certeza: sem adeus nem bilhete, sem uma palavra sequer, ela havia fugido de casa, me abandonado, me deixado sozinho. Foi por isso que desesperei, que a lágrima quis cair, que fiquei sem saber o que fazer.
Coisa de ingratidão, só pode ter sido. Outra coisa que não, e não porque somente quem não reconhece todo o bem que lhe foi dedicadamente feito pode agir assim. Teve tudo na vida e agradeceu desprezando quem tanto sofreu para que nada lhe faltasse.
Os ingratos agem assim, um dia ouvi dizer. Aceita tudo, porém não reconhece nem valoriza nada; usa e depois esquece o bem recebido, e muito mais a pessoa que doou; não demonstra resultado algum, como um justo agradecimento, que compense o esforço empregado pelo outro.
Fui vítima de ingratidão, não há que pensar diferente. E de abandono, desprezo, desamparo, renúncia, desalento também. Fui vítima de tudo de ruim que uma mulher pode impingir num homem que lhe amava tanto, que tudo fez para que se sentisse adorada.
É difícil lembrar, mas vou dizer. Certa feita, bem no meio da noite – e sem estar grávida nem nada – disse que queria de qualquer jeito um raio de sol entrando pela janela. Tive que arranjar um espelho, nele refletir luz de lanterna, de modo que o reflexo fosse cair bem pertinho do travesseiro.
Como não queria perfume de alfazema ou lavanda de feira, dizendo ser coisa de pobre, só aceitava frascos que lhe chegassem às mãos com nomes estrangeiros. Então eu comprava os frascos vazios de uma solteirona e neles derramava as alfazemas e lavandas. E tinha o maior receio que ela percebesse a troca.
Dei um sapato florido e ela resolveu que queria um vestido com o mesmo floreamento, tudo se combinando. Virei feira e comércio até encontrar tecido igualzinho. Assim que entreguei roupa e sapato iguais, ao se olhar no espelho disse com ar de dengo que estava lindo, mas que ficaria perfeito se eu encontrasse uma bolsa com o mesmo floreio. Tive que comprar tecido pra mandar fazer a tal bolsa. E depois um diadema e um lenço. Tudo parecendo um jardim.
Comprei colar e pulseira, batom e uma vitrola novinha; pintei o quarto de rosa e cada aposento de outra cor; um imenso espelho e uma fotografia emoldurada com o seu sorriso. E nem o retrato ela deixou. E gostava tanto de vê-la sorrindo na parede.
Havia prometido dar um presente totalmente diferente, uma coisa que confirmasse nosso amor para sempre. Ela queria uma empregada, alguém que ficasse o dia inteiro cumprindo suas ordens, atendendo os seus mimos. Mas eu disse que agora não.
Primeiro ia comprar um fogão de duas bocas, uma pia de lavar pano e umas panelas novas. Não sei por que, mas quando soube disso ela ficou sorrindo. Queria fazê-la verdadeira dona de casa, lavando, passando e cozinhando. Uma mulher trabalhadora.
Mas não sei por que ela partiu assim, resolveu ir embora sem uma palavra, sem dizer adeus, sem deixar bilhete...

  
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

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