SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

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domingo, 23 de dezembro de 2012

PALAVRAS SILENCIOSAS - 113


Rangel Alves da Costa*

 
 
“Queria viver diferente...”.
“Está descontente com a vida que tem?”.
“Não...”.
“E então?”.
“Um viver diferente nas páginas dos livros...”.
“Saindo de si para ser personagem?”.
“E depois voltar...”.
“É uma ideia realmente interessante...”.
“Viver dentro da trama, da história, do enredo...”.
“Mas interferindo no contexto?”.
“Impossível, pois seria reescrevê-la...”.
“E começaria por onde?”.
“Talvez dentro de algum livro de Jorge Amado...”.
“Uma mulher agreste, talvez. Mas ele também utiliza muitas prostitutas nos seus romances...”.
“Certamente, mas prefiro ser uma daquelas mulheres entristecidas esperando seus esposos na beirada do cais...”.
“Mas são muito sofridas...”.
“Daí a poesia nos personagens, naquelas mulheres. De repente, e toda a esperança da vida no olhar tristonho que mira o véu das águas. E que contentamento ao avistar o barquinho ao longe, voltando...”.
“Pensaria em ser Penélope...”.
“Que honra para qualquer mulher...”.
“Enquanto Ulisses vence dragões, luta contra o desconhecido, sempre buscando retornar...”.
“Ela virtuosamente espera o seu esposo, fiando e desfiando a toalha da honradez feminina...”.
“Creio ser o exemplo maior da virtude conjugal...”.
“Sem dúvida. E ela não sabia que o seu esposo um dia retornaria, apenas manteve-se fiel ao seu juramento...”.
“E conseguiu...”.
“As ações de perseverança sempre dão bons resultados...”.
“E quais outros personagens?”.
“Ana Terra...”.
“Ah, sim Ana Terra criada por Érico Veríssimo...”.
“No livro O Tempo e o Vento, primeiro volume da trilogia...”.
“Lembra-se das características...”.
“Uma mulher que sofreu por amar um homem com sangue de índio, foi violentada por bandoleiros, mas cujo filho com aquele seria um grande nome na história sulista...”.
“Mas somente mulheres?”.
“Não. Mas vou citar mais uma que gostaria de ser...”.
“Qual...”.
“Tia Anastácia, aquela mesma doceira do Sítio do Pica-Pau Amarelo criado por Lobato...”.
“A negra amiga de Dona Benta e dos meninos traquinas...”.
“Mas principalmente pelos doces. Quanta gulodice meu Deus. Mas não dela, a minha loucura por docinhos, bolinhos de chuva, aqueles biscoitos maravilhosos...”.
“Quanta água na boca. Mas quanto aos outros personagens...”.
“Ah, mas como eu queria entrar naquele livro de José Mauro de Vasconcelos...”.
“Rosinha, Minha Canoa ou O Meu Pé de Laranja Lima, dentre outros que não lembro agora?”.
“O Meu Pé de Laranja Lima, e para ser o danado do Zezé, aquele menininho porreta...”.
“E também sofredor...”.
“Sim, muito sofredor, principalmente pelo que fizeram com o seu amiguinho...”.
“O seu pé de laranja lima...”.
“E também o portuga...”.
“Coitado do portuga. E vem aquele malvado trem e...”.
“Lembra-se da frase dita por ele quanto perguntado por que estava triste?”.
“Não, mas creio que disse que há uma semana haviam cortado seu pé de laranja lima...”.
“Tantos personagens maravilhosos...”.
“Tantos espelhos...”.
“Fotografias escritas...”.
“Vidas...”.
 
 
 
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
 

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