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sexta-feira, 14 de junho de 2013

A HORA E A VEZ DE QUARTÊMIO GIROLDO (Crônica)


Rangel Alves da Costa*


Quartêmio Giroldo nunca foi candidato a nada, nunca se meteu em qualquer disputa e talvez nem saiba o que é política e como funcionam seus meandros e arredores. Por isso mesmo é o melhor nome que existe, o mais qualificado para disputar um pleito eletivo. E certamente ser eleito.
Se o povo eleitor realmente gostar de candidato honesto, digno, que não tolera mentira nem enganação, o nome escolhido deve ser o de Quartêmio Giroldo, sem qualquer dúvida. Mas estará nas mãos do povo. E o que se espera dessa gente que tanto reclama da classe política e dos seus governantes, é que faça a escolha certa para depois não chorar o leite derramado, como sempre acontece.
Ou será que o povo não tem jeito mesmo, reclama, esculacha, e depois vota no enlameado candidato, repetindo o mesmo erro? Ao se confirmar a pouca e falível memória da classe eleitora, certamente que Quartêmio não terá a menor chance. E simplesmente porque será o candidato para contradizer tudo o que houver de nefasto na política, sua desenfreada corrupção e seus acordos imorais.
Mas Quartêmio está pensando muito antes de tomar qualquer decisão. Não antecipa nada porque sabe como agem os políticos de plantão, tentando quebrar as pernas de qualquer um que ouse atravessar seu caminho ou ameaçar sua futura eleição. Ele é inocente no meio, nada sabe dos conchavos e do que se esconde debaixo do tapete, mas sabe que se seu nome for bem aceito perderá de vez o sossego. O inimigo estará em todo lugar, até mesmo no próprio companheiro de sigla partidária.
Essa história de ser candidato jamais havia passado nem perto da cabeça de Quartêmio. Mas um dia um velho amigo, num proseado de fim de tarde, começou-lhe a insuflar algumas verdades que foram se transformando em revolta e, ao mesmo tempo, encorajamento para modificar essa situação e combater com unhas e dentes algumas velhas práticas de se fazer política e governar.
Ouviu e deu plena razão ao velho amigo. É inaceitável que o estado e os municípios, ao invés de chamar para os seus quadros os melhores técnicos, as pessoas mais capacitadas para o exercício das funções, coloquem toda a responsabilidade pela governança nas mãos de apadrinhados, de partidários e de indicados. Quer dizer, uma gente incompetente, bajuladora e preguiçosa, acaba tomando o lugar dos melhores profissionais. Então dá no que dá. Uma máquina emperrada porque o responsável outra coisa não sabe fazer senão receber seu polpudo salário.
Ao ouvir coisas assim Quartêmio ruborizava, só faltava explodir de raiva. Mas continuava prestando atenção no que o velho amigo dizia. E este acrescentava que já chegou a hora de o povo abrir os olhos, e principalmente a memória, para combater determinadas atitudes desavergonhadas da classe política. Ora, numa eleição um ridiculariza o outro, acusa de tudo que for ruim, torna a pessoa mais imprestável do mundo, e na próxima eleição já estão de braços dados, se acarinhando. Fazem do esquecimento uma maneira de enganar a população, que jamais deveria aceitar tais casamentos com interesses escusos.
Quartêmio ficava a ponto de endoidar, de dar um treco e botar os bofes pela boca. Muitas vezes queria falar, acrescentar outras palavras às verdades ditas pelo velho amigo, mas a comoção impedia qualquer pronúncia. E continuava ouvindo. Mas tudo culpa do povo, dizia o homem. Não é o povo que mata e morre em época de eleição, cada um levantando a bandeira do candidato, espalhando seu discurso mentiroso, e até ameaçando de morte qualquer um que seja adversário? Não é o próprio eleitor que prega a cara safada na parede, que parece que não tem o que fazer e sai atrás de caminhada e passeata, que fica de mal do vizinho porque não vota no seu candidato? Para quem age assim, num bajulamento desmedido e na esperança de qualquer esmola futura, mais tarde fica até difícil dizer que político é feio.
Mas Quartêmio Giroldo chorou quando ouviu o velho amigo dizer que a política precisava de um homem sério igual a ele, honesto em tudo que faz, cidadão de uma cara só, cumpridor de suas promessas, respeitador de todo mundo. Gente assim, infelizmente, não serve para ser político, acrescentou o amigo. Contudo, não custa nada ser candidato, ao menos para mostrar que nem todos são iguais aos lobos que se apresentam como carneiros.
Após ouvir tais verdades, e ainda emocionado pelas palavras de reconhecimento, naquele mesmo instante Quartêmio anunciou que seria candidato nas próximas eleições. Agora seria sua hora e sua vez. A notícia passou de boca em boca, a aceitação foi a melhor possível, mas já tem político graúdo com mandato querendo se aproximar. Mas a sua preocupação maior agora é não conseguir preservar o nome honrado que sempre teve.
Confessou ao velho amigo que, uma vez eleito, no primeiro fraquejamento que desse entregaria o mandato e ia embora de vez. O outro disse apenas que não se esquecesse de deixar o endereço, pois certamente iria visitá-lo em breve. E resumiu tudo numa frase já carcomida pelo uso: Quem se mistura com porcos farelo come. 


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

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