SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



terça-feira, 18 de junho de 2013

SÃO JOÃO JÁ ESTÁ NA RUA (Crônica)


Rangel Alves da Costa*


Moro no centro da capital sergipana, mas minha rua possui um deleitoso aspecto interiorano. Depois  do anoitecer, quando já não há trânsito movimentado nem o barulho próprio da refrega cotidiana, então tudo fica numa calma gostosa e sentimental.
Nas noites de lua cheia, imensa, bonita, da porta de casa mesmo, ou do quintal, dá para apreciá-la aureolando o negrume estrelado. E que pela imagem. E saindo um pouco mais, caminhando pelos arredores, é possível sentir a aragem chegando de lá dos lados do Rio Sergipe, vindo da barra. Por aqui é tudo orla, tudo litorâneo.
Algumas senhoras colocam cadeiras nas calçadas para o proseado de todo dia, vizinhos vão chegando e só sabe Deus o que tanto conversam. A meninada corre de canto a outro, joga bola, faz reinação. A rua se torna de seus moradores. E que coisa admirável que continua assim.
Mas nesse mês a rua fica ainda mais bonita, mais animada, festiva. Ela é famosa pelos enfeites e ornamentos que recebe no período dedicado aos três santos juninos: Santo Antônio, São João e São Pedro. Contudo, é mesmo durante o São João, nos dias 23 e 24, que a coisa realmente fervilha. Ora, juntando a nordestinidade com as delícias da época, então tudo se transforma numa festa só.
Ainda no mês de maio a moçada começa a preparar as bandeirinhas e outros ornamentos. São centenas de metros de flâmulas de todas as cores, recaindo mais no vermelho, amarelo, branco e azul. Balões também são confeccionados e os coqueiros já escolhidos para suas palhas serem retiradas.
Assim que o mês festivo se inicia, então a rua é logo enfeitada. Trabalho feito sempre ao anoitecer e noite adentro, assim que amanhece os olhos se encantam com aquele verdadeiro arco-íris flamejando, bailando ao sabor da ventania. Então, verdadeiramente, o espírito junino começa a tomar conta de cada um dos moradores.
Todo ano, infalivelmente, com mais suntuosidade ou não, sempre há apresentação de quadrilhas, de sanfoneiros, tudo num verdadeiro arraiá. O trecho da rua se enche de visitantes e curiosos, as calçadas ficam repletas de mesas e cadeiras, as fogueiras crepitam para assar o milho, a carne, o queijo. Fogos pipocam pelo ar, crianças soltam traques e chuvinhas, os vulcões vão subindo e espalhando pelo ar fagulhas douradas de contentamento.
As deliciosas gulodices se espalham por cima das mesas colocadas nas calçadas ou mesmo na rua. Bolo de milho e de macaxeira, arroz doce, mungunzá, canjica, pamonha, pé de moleque, beiju, amendoim, milho cozido e assado, pratos juninos os mais diferenciados. E também o churrasco, a carne assada no espeto.
E tudo isso acompanhado pela cerveja, pala pinga da boa, pela bebida maltada; mas também o vinho, o quentão e a batida. É um mês friorento em Aracaju, mas a bebida e as roupas juninas, com suas botas e chapéus, afastam de vez qualquer sinal de estremecimento. E não haveria nem como sentir frio, pois o forró chama ao remelexo por todo lugar. E quanto mais a sanfona geme mais a moçada se anima para o forrofiado.
Pena que seja apenas um mês assim. A rua enfeitada de toda cor, a ventania açoitando, os sons parecendo chuvarada caindo, o cheiro do milho e da pamonha, os fogos pipocando de canto a outro, um clima diferente pela cidade, principalmente na minha rua. E hoje já colocaram as lâmpadas em meio aos cordames das bandeirolas, amanhã os balões serão espalhados, em seguida as fachadas e postes serão ornados com palhas de coqueiros. Tudo para esperar os principais dias de comemoração.
De sexta-feira em diante São João pede passagem de vez. Quem gostar de comida junina que se prepare para engordar uns quilinhos; quem apreciar forró do bom que vá cuidando da sola do sapato. Quem não gostar de nada disso que me desculpe, mas é impossível ouvir o barulho dos fogos e as fogueiras crepitando e não sair na porta de casa. E assim acontecendo, duvido que não faça do espírito um verdadeiro arraiá.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

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