SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



terça-feira, 25 de junho de 2013

CONTRADIÇÕES JUNINAS (FORRÓ NA CAPITAL E BANDALHEIRA NO INTERIOR) (Crônica)


Rangel Alves da Costa*


A expressão São João na roça, tão comum para indicar o autêntico e tradicional festejo junino nas distâncias interioranas, já não serve mais para tal finalidade. Agora tudo mudou, os valores foram invertidos e as comemorações ganharam características bem diferentes. E numa incompreensível e inaceitável negação da tradição junina interiorana.
O primeiro aspecto dessa negação diz respeito à musicalidade. A autêntica música junina, lastreada no velho e autêntico forró pé-de-serra, ou mesmo forró tradicional, não conta mais nem com a sala de reboco, com o grande salão e muito menos com a sanfona oito baixos, o zabumba, o triângulo, o pandeiro e o cantador.
Não pretendendo ser nostálgico, mas a verdade é que é culturalmente injustificável que se pretenda agora acabar de vez com manifestações típicas do povo interiorano, ainda que o progresso insista em varrer a tradição e em seu lugar colocar os modismos perniciosos. Mas é exatamente assim que está acontecendo, ao se optar por transformar o São João em uma balada qualquer. E tudo feito com bandas e grupos musicais voltados apenas para os mais jovens. 
A moçada de hoje talvez nunca tenha ouvido falar em Zé Aleixo, em Zé Goiti, em Agenor da Barra, em Didi, no mestre Dudu do terno branco. Certamente também nunca ouviu falar em Zé Calixto, em Pedro Sertanejo, em Abdias. E o que é pior, talvez nem deem qualquer importância a Luiz Gonzaga e Dominguinhos. E se alguém perguntar a um jovem sertanejo o que é forró ouvirá apenas que é uma música de sanfona, ultrapassada e cafona.
Na verdade, a juventude não está obrigada a mudar seus gostos musicais ou ter de passar a apreciar as preferências, os costumes e as tradições de outros tempos. Cada época possui sua própria feição e nela se mira a modernidade de então, principalmente os mais jovens. Do mesmo modo, não poderia exigir a retomada de valores culturais quando os responsáveis pela sua difusão são também os responsáveis pelo seu esquecimento.
Tem-se, pois, que a juventude não conhece mais o autêntico forró nem demonstra qualquer interesse pelo estilo por culpa exclusiva de quem faz as contratações dos grupos musicais para as festividades municipais, que geralmente são as prefeituras, contando com o patrocínio de diversos órgãos e empresas privadas. É na opção que se faz que a desvalorização cultural toma a feição de verdadeiro absurdo.
Quem tiver um tempinho pesquise na internet a programação dos festejos juninos dos municípios sergipanos, até mesmo os situados na região sertaneja, e logo perceberá que praticamente não há mais forró, não há mais o autêntico forrozeiro com sua sanfona e muito menos um nome reconhecido no cenário nordestino. Pelo contrário, encontrará programações que são as mesmas de uma micareta ou de um carnaval. E em pleno São João.
E mais. Não há trio nem grupo de forró, mas apenas e tão somente bandas, desde àquelas de nomes mais tradicionais às novatas e de nomes esquisitos. Mas todas, indistintamente, com uma musicalidade que pode ser tudo, menos forró, pois numa mistura de axé, falso sertanejo e modismos de duplo sentido. E são as mesmas bandas e grupos musicais contratados em épocas carnavalescas.
Os administradores municipais pagam rios de dinheiro para deturpar o sentido dos festejos juninos, atendendo somente aos gostos musicais da juventude musicalmente descompromissada e, o que é pior, desrespeitam as preferências de parte da população que gostaria de ter, ao menos um dia, um legítimo representante do forró autêntico e tradicional. Se os direitos são iguais, esta deveria ter o seu também respeitado.
Ainda que colocassem as bandas nas praças de eventos como atrações principais dos festejos, não seria nada demais oferecer opções de forró aos que não se deixam levar pelas bandalheiras. Com o valor pago a uma única banda famosa é possível contratar alguns forrozeiros bons e espalhá-los pelas cidades, atendendo os anseios de parte da população e garantindo a preservação da cultura junina. Mas não, parece que somente a juventude tem direito a festejar.
Nisso tudo, desponta uma curiosa contradição. Lá no sertão, por exemplo, onde a tônica dos festejos juninos deveria ser o autêntico forró, o que se tem é uma bandalheira em cima de palcos e um povo se requebrando como se fosse balada; enquanto isso, na capital, que nunca foi seio da sanfona e do zabumba, retoma a tradição junina nos mesmos moldes de uma sala de reboco.
Enquanto lá é a vez do Forró dos Plays, Garota Safada e Favorita do Brasil, dentre outras estripulias juninas, por aqui ainda será possível dançar nos acordes da sanfona de Erivaldo de Carira, Luiz Paulo, Edgar do Acordeon e Zé Américo de Campo do Brito. Ainda bem. E que sirva de exemplo aos prefeitos interioranos.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com    

Nenhum comentário: