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quarta-feira, 23 de julho de 2014

HISTÓRIA E NATUREZA


Rangel Alves da Costa*


Natureza e História se assemelham em muitos aspectos. A natureza enquanto ambiente, cenário ou paisagem natural onde ocorrem fatos, acontecimentos e situações. Nela há o desenrolar e o desenlace daquilo que irá interessar, ou não, à história. Neste sentido, a natureza nordestina foi palco das lutas cangaceiras, o Nordeste açucareiro e do senhor de engenho foi cenário para a exploração escravocrata.
Mas, como dito, os acontecimentos nem sempre interessam à história. É a sua importância no contexto social que proporciona visibilidade. Para que se ajuste às exigências históricas, os fatos e acontecimentos necessitam ter um caráter transformador, precisam estar além do apenas rotineiro e provocar mudanças. Tais mudanças, contudo, não precisam ser imediatas ou em curto prazo. Muitas vezes, a sutileza de um acontecimento só é reconhecida como importante muito tempo depois.
Um aspecto importante a ser observado é que a história depende muito mais da natureza do que esta daquela. Na natureza pode, e por muito tempo, continuar preservada a própria história. Como são os ambientes dos acontecidos os retratos mais fidedignos de determinadas realidades - e por isso mesmo a importância do estudo de campo -, tem-se que neles podem repousar tudo o que precisa ser conhecido e que é reconhecido como de importância histórica.
Neste contexto, a preservação do cenário histórico se torna de suma importância para que nele continue registrado, o quanto mais fidedigno possível, o fato ou acontecimento. A descaracterização do ambiente retira da paisagem aquele retrato tão importante para a real visão e compreensão do acontecido. Transformado o ambiente, descaracterizado estará aquilo um dia vivenciado. Determinada feição existente, e assim possível porque preservada no percurso dos anos, de repente começará a desaparecer acaso não aja ação responsável para sua manutenção.
Na natureza, bastante conhecido é o fato de as espécies novas acabarem dizimando o que for nativo. As plantas nativas, por exemplo, não suportam as investidas e as infestações das espécies exóticas ou forasteiras ali cultivadas e acabam se fragilizando a ponto de sucumbir de vez, deixando todo o habitat longamente construído ao dispor das forasteiras. De modo parecido ocorre com a história.
E apenas parecido porque a transformação está no cerne da própria história e ela não seria possível sem a ocorrência de mudanças nos diversos estágios da sociedade. Seria apenas um rio correndo lentamente se não irrompessem os acontecimentos que tão bem a caracterizam. Diferente do que ocorre na natureza, onde o invasor toma o lugar do outro, o acontecimento histórico permite a mudança sem o romper com o passado.
Contudo, o que vem acontecendo no sertão é a possibilidade de o exemplo da natureza ocorrer com sua história, ou seja, a espécie forasteira acabar de vez com tudo que ali foi longa e penosamente construído. Para se ter uma ideia, o ser humano, enquanto forasteiro ou invasor, de repente acaba devastando tudo que seja próprio de cenário sertanejo - desde a fauna e a flora aos sítios históricos - e no seu lugar vai dando uma feição totalmente avessa às características naturais do ambiente.
Verdade é que a história do sertão nordestino vem sendo apagada com a destruição da própria natureza. Porque nesta estão os cenários, os palcos e os locais historicamente reconhecidos como importantes, a destruição destes ambientes afetam a preservação daquela. Assim, as investidas desenfreadas do homem perante o meio natural, modificando ou devastando tudo, e no seu lugar impondo feições que nada resguardam das feições anteriores, vão apagando o que foi construído por milhares de anos.
Um exemplo claro vem ocorrendo na região onde está localizada a Gruta do Angico, na região ribeirinha do São Francisco, no município sergipano de Poço Redondo, e que foi palco da morte de Lampião, Maria Bonita e mais nove cangaceiros. A exploração turística do lugar vem sendo intensificada de tal modo que somente o local da gruta continua sendo preservado, mas com seus arredores totalmente transformados.
Quer dizer, o turista que vai visitar o cenário da morte do líder cangaceiro acaba encontrando apenas uma pedra grande, uma pequena fenda, uma placa com o nome dos mortos e algumas cruzes, mas nada daquele cenário ao redor que servia como explicação maior para todo o acontecido. E não durará muito tempo para que o local da gruta seja também transformado e ali reste somente a mera indicação de que um dia foi palco do fim do cangaço.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

Um comentário:

Anônimo disse...

Pois é caro Escritor Rangel, sem a preservação da memória, com o passar do tempo a história deixa de existir. Para mim, toda área que circunda a GROTA DO ANGICO estaria tombada. É o que penso.
Abraços,
Antonio Oliveira - Serrinha - Bahia