SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



sexta-feira, 11 de dezembro de 2015

PRECISO DE UM AMIGO, AINDA QUE SEJA SECRETO


Rangel Alves da Costa*


Quanto mais as relações se diluem mais as amizades somem. Quanto mais ficam desumanizados os corações mais os afetos arrefecem. Quanto mais as falsidades tomam o lugar das verdades mais as confianças desaparecem. E no fim de tudo também o fim das amizades. Nesse passo de distanciamentos e incredulidades, somente os amigos secretos para a continuidade dos afetos.
Já faz algum tempo que me sinto carente de amigos, principalmente os verdadeiros. Penso em recorrer aos costumes de final de ano em busca de um amigo secreto, porém não possuo mais círculo que me chame a participar. Noutros tempos, bastava meter a mão e retirar o papelzinho embrulhado com o amigo da vez. Por ser secreto, ninguém poderia sequer imaginar quem seria depois presenteado como forma de reconhecimento da amizade.
Os tempos são outros. Os costumes de amigos secretos continuam, mas mesmo a brincadeira vai perdendo seu sentido de confraternização. Os amigos secretos de hoje não esperam mais receber uma lembrancinha qualquer, um presentinho singelo, mas algo que os distinga perante os demais. Algo assim como uma etiqueta famosa, um adorno dourado, uma grife da moda. E eu não participaria da brincadeira por um simples motivo: não posso sequer me presentear com o que imagino realmente merecer.
Assim, acaso pudesse lançar a mão num bilhetinho e surgir o amigo da vez, então este teria que se contentar com o que talvez jamais esperasse receber. Nada do usual seria presenteado, nada da moda seria concedido. Por consequência, ou ficaria encantado pela escolha da lembrança ou silenciosamente se comprometeria em nunca mais participar da brincadeira. E a mesma validade para o que eu tivesse a receber, pois todo o contentamento estaria na simplicidade da recordação recebida.
Eu não pensaria duas vezes em escolher uma bela folha de papel envelhecido, desses cuja reciclagem permite uma aparência artesanalmente antiga, e na sua face inteira escrever com caneta tinteiro um poema famoso, talvez a sutileza de Fernando Pessoa:
“Da minha aldeia veio quanto da terra se pode ver no Universo.../ Por isso a minha aldeia é tão grande como outra terra qualquer/ Porque eu sou do tamanho do que vejo/ E não, do tamanho da minha altura.../ Nas cidades a vida é mais pequena/ Que aqui na minha casa no cimo deste outeiro/ Na cidade as grandes casas fecham a vista à chave/ Escondem o horizonte, empurram o nosso olhar para longe de todo o céu/ Tornam-nos pequenos porque nos tiram o que os nossos olhos nos podem dar/ E tornam-nos pobres porque a nossa única riqueza é ver” (Eu sou do tamanho do que vejo).
Ou talvez uma passagem bíblica. Sim, as mensagens bíblicas representam reencontro com a espiritualidade, fortalecimento da alma, elevação do ânimo da vida. Mais que isso, seria como forçar o presenteado a lançar o olhar perante palavras que talvez desejasse desde muito encontrar. Palavras assim, como aquelas contidas em Coríntios e que talvez já as tivesse ouvido através da música de Legião Urbana:
“Ainda que eu falasse as línguas dos homens e dos anjos, e não tivesse amor, seria como o metal que soa ou como o sino que tine. E ainda que tivesse o dom de profecia, e conhecesse todos os mistérios e toda a ciência, e ainda que tivesse toda a fé, de maneira tal que transportasse os montes, e não tivesse amor, nada seria. E ainda que distribuísse toda a minha fortuna para sustento dos pobres, e ainda que entregasse o meu corpo para ser queimado, e não tivesse amor, nada disso me aproveitaria. O amor é sofredor, é benigno; o amor não é invejoso; o amor não trata com leviandade, não se ensoberbece. Não se porta com indecência, não busca os seus interesses, não se irrita, não suspeita mal. Não folga com a injustiça, mas folga com a verdade. Tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta”. (1 Coríntios 13:1-7).
Certamente que a força do amor animaria o presenteado à aceitação. Mas eu também poderia simplesmente escolher outro presentinho inusitado. Uma tábua de madeira com seu nome forjado no fogo. Ou ainda uma vasilha com água, areia e uma concha de mar. Ou talvez uma imagem do Senhor na Cruz. Aquele sacrifício extremo de um homem pela humanidade revela quanto o homem de hoje é merecedor de viver com amor, com paz e fraternidade.
Ou um abraço. Sim, ao invés de presente materializado daria simplesmente um abraço. E pediria que deixasse de ser amigo secreto para ser somente amigo.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

2 comentários:

Ana Bailune disse...

Acho que seria um presente lindo, e valioso!

Jurema Cappelletti disse...

Quanto mais a vida vai passando diante de nossos olhos, mais exigentes nos tornamos, por cohecer melhor o ser humano, cada vez menos humano. Quando às lembrancinhas de Natal, nada melhor do que saber que alguém se lembrou de nós, nem que seja com a ajuda de um papelzinho. Bom 2016 para você, Jurema Cappelletti