SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



segunda-feira, 22 de outubro de 2018

AS COBRAS, AS PESSOAS



*Rangel Alves da Costa


Não há bicho mais traiçoeiro que cobra, não há rastejante mais ardilosa que a serpente, não há nada mais astuciosa e perigosa que a peçonhenta. Triste fim de quem cair na sanha cavilosa da víbora. De maldosa e vil inteligência, planeja cada passo de seu ataque. Pode passar dias e mais dias escondida nos tufos do mato até que o calcanhar esperado passe bem à frente. Não se cansa de esperar para fazer a maldade, para ferir, para fazer sangrar e até matar sua presa. A serpente é bicho tão abominavelmente ruim que chega, por desejo próprio e em desmedida fúria, a se rasgar todinha, a se morder todinha, acaso não consiga seu objetivo de ferir ou de matar. Cascavéis, jararacas, surucucus, urutus, corais, jararacuçus, todas imensamente agressivas e traiçoeiras. Suas presas afiadas, seus venenos espargindo ódio e crueldade, seus olhos secos de tanto mirar suas presas, seus botes fatais e mortíferos. Uma simples picada e a morte certa. Estou falando de cobras, de serpentes, de peçonhentas. Mas apenas de cobras? Não. Também de pessoas, de pessoas, de pessoas. E sem medo de errar, confirmo: Tem gente que morde e envenena cobra. Tem gente muito mais perigosa que a mais perigosa das serpentes. E triste de quem se tornar sua vítima.
Não há bicho mais traiçoeiro, vil, perverso e falso que cobra. Escondida entre folhas, parece até desfalecida ou morta. Quem a avista sequer imagina o perigo ali presente. Mas ali, naquela sonsice do mundo, apenas a trama ganhando vida. Mais acordada que nunca, mais envivecida que nunca, apenas está tecendo estratégias de ataque, de bote, de alcançar o calcanhar desejado. Quando alguém inadvertidamente se aproxima, e mesmo que chegue tão perto que seja capaz de tocá-la, ainda assim ela estará imóvel, inerte, fingindo não estar vendo ou sentindo qualquer presença. E de repente o bote. Sim, de repente seu corpo se move com tamanha rapidez que será impossível evitar o ferimento. E no instante seguinte o veneno já estará entranhado na pele. A vida por um fio, a morte certa. E quantas pessoas agem também assim? Quantas pessoas se ocultam, permanecem fingidas, fazendo de conta que estão ausentes, para num só bote destruírem uma vida. Pessoas más, infames, covardes, calculistas. Com inteligência inigualável para o mal. E outra coisa não sabem fazer senão a maldade. Pessoas víboras, serpentes, cascavéis. Pessoas peçonhentas, envenenadas, maléficas. Conheço muitas assim. De vez em quando me vejo diante de botes, mas nada igual ao veneno partido da presa amorosa. Morde com o lábio, envenena com o sexo, mata sem dó nem piedade.
Não há bicho mais abominável que a serpente. Ora, destruiu o paraíso e quanto mais um reles convívio neste mundo demasiadamente humano. Já vi cobra usando sapato alto. Já vi cobra usando batom. Já vi cobra se sensualizando toda, mas somente para atacar. Já vi cobra de roupa bonita e cabelo arrumado. Já vi cobra toda perfumada e de pele brilhosa na fina flor. Já vi cobra chegar pelas esquinas, com passo apressado, parecendo querer se esconder de alguma coisa. Já vi cobra usando anel e pulseira, brincos e piercing no umbigo. Já vi cobra dizendo que ama aquele que vai morder, que vai atacar, que vai matar. Já vi cobra se entregar nos lençóis e depois sufocar sua presa. Já vi cobra retornar e no retorno encantar mais ainda, para depois ficar mais fácil de envenenar. Já vi cobrar envenenar um e em seguida correr para envenenar outro. E depois que tudo destrói ainda se faz de vítima, e talvez até pranteie o que só fez destruir. Já vi cobra com todo tipo de nome. Jararaca, urutu, cobra-coral, cascavel, surucucu, cotiara, píton, naja. Mas nada igual a uma que conheço. E com nome de mulher. A mais perigosa de todas. O problema é que está mordendo o próprio rabo. Vai morrer arroxeada pelo próprio veneno.


Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com

Nenhum comentário: