SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

UMA RUA ESCURA (Crônica)


Rangel Alves da Costa*


A rua agora está completamente silenciosa e escura.
Depois do anoitecer começou a cair uma chuva fininha e constante, afastando ainda mais as pessoas da via, das calçadas e das janelas.
Mas depois das oito horas a chuva cessou e ficou somente a luz da lua se derramando sobre o piso molhado. Não era asfalto, apenas um cimento grosso se estendendo de lado a outro.
Até que a distribuição dos postes eram regulares, sendo três ali no trecho. Mas há muito que nenhuma lâmpada acendia ao cair da noite. E parecia que também ninguém se importava com a escuridão.
Quando a noite se firmava no passo das horas então tudo ficava misteriosamente silencioso e escuro. Somente a luz lá de cima para delimitar as casas, as calçadas, as árvores plantadas ali ou acolá.
Muita gente morava ali. Ao amanhecer, as portas e janelas se abriam e o povo começava a sair e a entrar de suas moradias. Tudo era muito normal, com a mesma movimentação de uma rua qualquer.
Mas era um povo que não sentava nas calçadas ao entardecer, não visitava vizinho, não batia numa porta para dar uma notícia nem para qualquer prosa. Parecia uma gente que se desconhecia completamente.
Quando a noite começava a cair e as portas eram fechadas, então era que tudo parecia deserto, tudo aparecia desabitado, silenciosamente abandonado.
Um ou outro passava caminhando; alguém entrava numa porta, ou saía. Luzes eram acesas, lâmpadas eram apagadas. Numa janela em especial a luz era fraquinha, tremulando, como se alguém lá dentro se contentasse com a chama de uma vela ou um candeeiro.
Isto era percebido pelas vidraças nas janelas. Muitas possuíam cortinas, mas algumas mantinham apenas a vidraça nua ou com um leve revestimento por dentro, de modo a impedir a visão do interior.
E no restante o silêncio profundo e aflitivo, como se ali não morasse criança, não houvesse o barulhar próprio de cada casa, ninguém ouvisse uma música com som um pouco mais alto.
Era muito mais fácil ouvir o miado dos gatos nos telhados e o pio agourento das corujas escondidas pelos quintais, do que mesmo voz ou grito de gente. Isso só acontecia quando a louca ainda morava ali. Em noites de lua cheia era o sofrimento terrível.
Um dia ela simplesmente sumiu, desapareceu. Nenhum parente falou se havia morrido ou lavada para outro lugar. Verdade é que ninguém mais ouviu o som daquela aflição enluarada.
Neste momento a rua está mais silenciosa ainda. Depois que chove é sempre assim, ainda mais lúgubre, mais soturna, mais esquecida de existência. Apenas a lua de pouca luz passeando por cima, melancolicamente se derramando sobre esse mundo de desalento.
Mas este cenário não é de todo assustador, não é algo que espante o olhar de muitos. Não deixa de ser poético, romanticamente triste, visão capaz de despertar múltiplos sentimentos.
Não é difícil que lágrimas escorram de olhos que se comprimem junto às vidraças embaçadas. Não é difícil que olhares espreitem a vida lá fora cheios de saudades, de recordações amorosas, de lembranças que doem.
São as dores, os amores e os sentimentos que afloram dentro das casas, atrás das portas e janelas, e tendo como motivação apenas aquela rua com o seu silêncio e a sua solidão.
A rua está escura e vai ficando ainda mais. A lua sumiu; as nuvens encobriram o céu. A chuva está voltando a cair. Logo se verá no piso molhado apenas a réstia da noite. Correndo, escorrendo. Como faz no rosto, na face, descendo dos olhos...
  

Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com  

Um comentário:

Juliano Carvalho Bueno disse...

Nota 1000 pelo blog Rangel...Muito bacana mesmo...Vou segui-lo.