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quarta-feira, 31 de agosto de 2016

CUSCUZ PURO


*Rangel Alves da Costa


O cuscuz é um dos pratos típicos mais apreciados do mundo. Típico por que cada povo costuma ter uma receita própria e à base de milho, arroz, trigo e outros cereais. Dependendo da região, o cuscuz se torna num misturado que mais parece outro prato.
As receitas são muitas, levando miúdos, carnes diversas, queijos, salsichas e outros embutidos, temperos, conservas, dentre outras opções. Mas nada igual ao nosso velho e conhecido cuscuz nordestino, sertanejo de cheiro e fogão. Cuscuz de massa ou flocos de milho, sem mistura, saído fumegante do cuscuzeiro.
Conheço muita gente que se basta no cuscuz puro, sem acompanhamento algum. Até diz que qualquer coisa misturada às fatias amareladas acaba distorcendo o generoso sabor. E com razão. E tem gente que aprecia tanto o prato que é capaz de devorar um cuscuz inteiro em poucos instantes.
“Agora, imagine sendo o cuscuz autêntico, de milho ralado em quintal, cozido em fogão de lenha e recoberto por pano limpo, de onde logo surge uma névoa quente, cheirosa, perfumada, apetitosa, para depois ser fatiado e saboreado com manteiga da boa, ovos de galinha de capoeira ou queijo da terra se espalhando ainda quente pelas fatias e ao redor...”.
Conheci um senhor que causava um problema sério na hora do café da manhã ou do jantar. Sempre queria cuscuz, e puro, mas tendo de ser vigiado pela família para não fugir do limite. Como eram feitos dois cuscuz, sendo o dele um pouco menor, comia inteirinho o seu e depois olhava para os cantos e, não avistando ninguém, corria a pegar fatias no outro cuscuzeiro.
“Agora, imagine se esse cuscuz tão apreciado fosse saboreado com uma xícara de café batido em pilão e torrado, feito em chaleira antiga, derramando pelas beiradas o mel enegrecido dos deuses. Manteiga se derretendo por cima de cada fatia, mais adiante uma porção de tripa assada, fininha, mas daquelas que escorre pelo canto da boca a cada mordida...”.
Muita gente come o cuscuz puro por falta mesmo da chamada mistura. Mas tenho certeza que muito mais gente prefere ele assim, sem acompanhamento algum, pelo simples prazer em comer, em saborear cada pedaço de fatia, e sempre querendo mais. Quando no ponto, nem muito endurecido nem muito molhado, descendo ainda fumegante no prato, realmente faz esquecer qualquer outra comida que possa ser misturada. Basta esfriar um pouquinho e mastigar revirando os olhos.
“Agora, imagine um cuscuz de milho ralado, como aqueles próprios das fazendas e lugarejos afastados, chegando sobre a mesa acompanhado de um bom pedaço de porco assado, uma boa costela de gado, ou mesmo uma carne torrada e oleosa. Antes de tudo, molhar a fatia com o óleo da fritura, depois espalhar por cima uns pedaços já cortados segundo cada garfada ou colherada, e tendo ao lado uma xícara de café negro e encorpado. É um não querer sair mais nunca da mesa...”.
Muita gente prefere pão, inhame, macaxeira, sopa, ou mesmo o que tiver na hora da fome da manhã e da boca da noite. Mas há os verdadeiros apaixonados, fanáticos pelo cuscuz. E tanto faz que seja em floco ou a simples massa, bastando que chegue com aquele cheiro inconfundível do milho cozido. Verdade que o aroma nunca é igual àquele ralado em quintal e cozido sumarento sobre o fogão de lenha, mas a intenção vai pela fome e a fome faz surgir o perfume.
“Agora, imagine um cuscuz caipira, de milho ralado, com leite de coco por cima, ou mesmo leite de gado morno, com nata grossa por riba. Imagine um cuscuz assim acompanhado de uma perna de preá assado, de uma nambu ou codorna, de uma caça qualquer. Imagine um prato assim diante de um cabra que chega cansado ou que tem de ter sustança para o trabalho do dia. A pessoa come de perder a hora, de dar moleza, de dar vontade de somente se estirar numa rede e sonhar. Com mais cuscuz...”.


Escritor
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