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quarta-feira, 12 de outubro de 2016

O DIA DA CRIANÇA É TODO DIA


*Rangel Alves da Costa


O dia 12 de outubro é apenas mais um dia da criança, e não um dia especialmente dedicado à criança. Talvez se já por isso, porque se esquecem de que os demais dias são dela também, é que há tanto esquecimento e abandono.
A criança não precisa de apenas um dia para ser recordada. A cada instante da vida, a cada passo e cada segundo, teve estar avistada, amada, protegida, com um broto que precisa ser zelado para florescer para a vida.
O dia da criança não se resume a um presente, a um mimo diferenciado, a um passeio, a uma surpresa boa. O dia da criança é aquele onde a infância tem o presente maior da dignidade, do respeito, do acolhimento de todos.
O dia da criança não é dia do shopping, do parque, do cinema, da praça de brinquedos. O dia da criança será o sempre o dia - e todo o dia - da adequada alimentação, do conforto à idade, da prevenção e da proteção contra quaisquer ameaças.
O dia da criança daqui seria diferente do dia da criança africana, da criança atormentada pela guerra síria, da criança expatriada, da criança órfã de pais e de esperança? Nenhum presente, seja o mais belo que possa existir, é mais importante que o verdadeiro olhar sobre a criança. E as crianças do mundo inteiro.
Compare duas fotografias. Uma criança sorridente por que ganhou um brinquedo importado e outra criança se arrastando em busca de um alimento que é jogado do alto como presente. Essa criança faminta, esquelética, tomada de doenças, até que gostaria de um presentinho de plástico, mas sempre prefere o grão misturado a terra.
Qual a importância em reunir crianças de rua para comemorar o dia das crianças se os demais dias serão de abandono, omissão, negligência, desumanidade? Comer um pedaço de bolo, ganhar um presente, tomar um copo de refrigerante, para depois retornar à mesma rua, à mesma marquise, ao mesmo sofrimento.
Quem bem sabe qual o dia da criança é a própria criança que vive ao abandono. Nada lhe chega mais desejável que uma mão estendida, que um prato de comida, que um banho e uma roupa para vestir. Oferecer-lhe apenas um dia como ilusão de felicidade é redobrar sua consciência de rejeitada social.
Durante os últimos dias o comércio de brinquedos se empanturrou de familiares ávidos para assegurar o mais acessível e o mais belo presente. Muitas vezes há um esforço danado para comprar uma simples lembrancinha. Mas lembrancinha esta que geralmente só tem validade de um dia.
E assim por que nenhuma valia em presentear um filho e no instante seguinte - e muito mais nos dias seguintes - tratá-lo aos solavancos, aos gritos, às palmadas, aos castigos. E não educá-lo corretamente, não oferecer o amor, a compreensão, o carinho e o afeto que toda criança precisa.
As crianças sírias recebem gases tóxicos e estampidos mortais como presentes. Quando assim não acontece, simplesmente são jogadas ao mar em busca de salvação. E não são poucos os anjinhos que são levados sem vida às margens. Não seria hora de os governantes pensarem em presentear estas crianças de modo diferente?
As crianças famintas africanas e de outros continentes e regiões, cujas existências geralmente duram somente a infância, não querem smartphones nem brinquedos eletrônicos, não querem se vestir de homens-aranha nem portar espadas de raio laser, apenas e tão somente o viver com dignidade. E uma dignidade de poucos nomes: comida, bebida, remédio, esperança.
Mas hoje é comemorado o dia da criança. As lojas continuam abertas neste feriado de Nossa Senhora Aparecida. Tudo em nome do comércio. Nada em nome da criança. Acaso uma chegue à porta de uma loja pedindo um brinquedo, certamente logo será expulsa sob a justificativa de estar querendo roubar.
Assim a criança e o seu dia. Como se o ontem não existisse nem o amanhã também.


Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com

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