SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



terça-feira, 24 de julho de 2018

BASTIANA, CIRINEU E SEUS FILHOS



*Rangel Alves da Costa


Bastiana e Cirineu tiveram uma filharada. Cada menino e menina cresceram debaixo da saia da mãe.
Casa pequena, pobre, mas dava demais pra se viver. Tudo crescido barrigudinho. Joquinha era o que mais gostava do barro da parede.
Tiziu se metia a matar calango e só se via o bicho chiando no braseiro. Mariazinha chorou três dias quando sua boneca de milho perdeu os cabelos e ficou só no sabugo.
A mãe queria comprar uma de pano, mas num tinha dinheiro não. O dinheiro que aparecia era só para o “de comer”, como se dizia.
Quando a seca grande chegou, já rapazinho, Tiziu foi o primeiro a subir no pau de arara, caminhão velho que deixava pra trás os adeuses e as lágrimas.
Pedrinho se enrabichou logo cedo e foi morar com Minervina. Moça bonita, morena trigueira, laçou o rapazinho e esse seguiu seus passos.
Mariazinha deixou sua janela e seus olhos tristonhos quando o vaqueiro Berôncio lhe prometeu o céu e a terra. Casou e foi morar distante.
Os demais filhos foram tendo ou criando motivos para se despedirem da velha casa. Um a um, todos acabaram deixando para trás aquela casa que era tão imensa.
Ora, a casa é imensa não pelo tamanho, mas pela família existente dentro dela. Quanto mais afeto mais se dimensiona os laços e a existência.
Seus pais, sempre entristecidos a cada partida, apenas sofriam sem poder fazer nada. Choravam nos escondidos as saudades tantas.
E a casa, que era tão pequena e tão imensa pela família debaixo do mesmo teto, aos poucos foi ficando vazia demais. Tão grande e de repente um quase nada.
Era como se nada mais houvesse ali dentro que encantasse a vida. Bastiana ia prantear suas dores no quintal. Soluçava baixinho, limpava os olhos nos lenços encharcados da dor.
Cirineu se bandeava para um tronco na malhada e ali deixava a lágrima escorrer. E ali, no meio tempo, apenas um homem entristecido e sem poder domar as saudades tantas.
E a casa vazia, triste, saudosa, apenas nas relembranças de tantas vidas ali. Cirineu já ia confessar a esposa que não suportava mais de tanta saudade, quando uma dor no peito lhe calou para sempre.
Bastiana ficou sozinha. Apenas uma velha no silêncio eterno e na solidão mais dolorosa. Estendia roupa do falecido no varal e depois abraçava com uma ternura de cortar coração.
Quando o vento batia e as mangas da camisa esvoaçavam, então ela dizia: “Já vou!”. E foi. Sentada numa cadeira rente à janela, com os olhos sempre marejados, falando sozinha, chamando pelos seus, de repente a morte fechou-lhe os olhos.
Então veio a ventania, entrou pela porta da frente e seguiu até o varal. Mistérios da vida e da morte, mas a camisa estendida foi depois encontrada como que abraçada a Bastiana.


Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com

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