SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



segunda-feira, 6 de agosto de 2018

AS OUTRAS DORES



*Rangel Alves da Costa


Não pretendo me referir agora àquelas dores sensoriais, sintomáticas, advindas de lesões, de distúrbios orgânicos ou de enfermidades.
Quero me referir a outras dores, ocasionadas pelos desvãos da vida e experimentadas no mesmo ou maior sofrimento que aquelas produzidas por uma flechada no peito.
Quero dizer das outras dores, aquelas que não surgem dos machucões, das contusões, das pontadas, das perfurações, dos ferimentos, do despertar das moléstias e enfermidades. Dores que não despontam em lugares específicos do corpo, pois afligindo a alma inteira.
Dores silenciosas, melancólicas, invisíveis, quietas, escondidas, soturnas, noturnas, solitárias, cabisbaixas, despercebidas por muitos. Mas o olhar não pode negar, o semblante também não, contudo, sempre efervescente no âmago, no profundo do coração.
Uma dor assim como a dor do sertanejo que ano após vê seu pasto esturricar, sua fonte endurecer pelo barro, seu resto de rebanho dizimado pela falta de tudo. Tudo isso lhe dói tanto por dentro, amargura e aflige tanto, que somente seu olhar entristecido retrata a dor sofrida.
Uma dor assim como a da mocinha que a todo entardecer se põe à janela para lamentar solidões e chorar as distâncias de um amor que virá. Quanto mais o tempo passa mais a sua tristeza aumenta e vai chorando por dentro, vai sofrendo, vai sendo tomada pela dor do desamor.
Uma dor assim como a dor da saudade em noite de chuva. Uma dor assim como a da solidão em noite chuvosa. Uma dor assim como a lembrança de um passado beijo, de um abraço de um dia, de uma saudosa entrega. Quanto mais procura remédio em travesseiro mais a dor dói.
Uma dor assim como a sofrida pela velhice abandonada, desamparada, entregue à solidão dos dias e das noites. Não é fácil ao velho suportar o afastamento de todos aqueles que ajudou a criar ou que no passado com ele conviveram. E agora somente a dor pela ausência e pelo distanciamento de todos.
Uma dor assim como a das viúvas que pranteiam seus falecidos pelo resto de suas vidas, e quanto mais choram seus lutos mais sentem saudades pela separação. De negrume nas vestes, de negrume no peito, de negrume nos dias. E em tudo a eternidade da dor.
Uma dor assim como a dor do girassol que procura o sol e não consegue encontrar. E sem o sol que o faça girar em busca de luz, então o girassol entristece e vai perdendo todo o seu viço e encantamento. Uma flor com dor, um girassol sem seu sol.
Assim como a dor do João de Barro e sua forçada decisão de fechar a porta de sua casa de barro e deixar lá dentro aprisionada sua amada traiçoeira. Tanto trabalho para carregar cada punhado de barro, construir um lar, e depois encontrar lá dentro outro passarinho. Uma dor de pássaro, mas dor.
Assim como a dor da saudade, da lembrança, da relembrança, da nostalgia, da recordação, da viagem da memória em doloroso reencontro. Dói demais querer, desejar, ter vontade de ter, mas em meio a tudo a impossibilidade pela ausência, pela distância ou pelo eterno adeus. Dói demais.
Assim como a dor da menina que perdeu sua boneca de pano, que perdeu sua panela de barro, que perdeu seu brinquedo bonito. Assim como a dor do menino que perdeu sua bola de gude, sua baleadeira, seu cavalo de pau. Uma tristeza tão grande que aparenta a maior dor do mundo.
Assim como a dor sentida pelo menino Zezé quando cortaram seu pé de janela lima. Aquele que era seu amigo, seu confidente, seu braço amigo e seu sombreado nos diálogos de todo dia. De repente, a maldade cortou-lhe pelo tronco e deixou somente a tristeza e a dor no menino.
Assim como a minha dor quando chega o anoitecer e o meu candeeiro ilumina minha face sem lua. A luz que sempre me falta para sorrir, para brincar, para o contentamento, para viver sem dor.


Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com

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