SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



quarta-feira, 3 de outubro de 2018

Palavra Solta - um mundo que meu pai me ensinou a gostar



*Rangel Alves da Costa


“Se eu soubesse que chorano, empato a sua viagem, meus zóio era dois rio que não lhe dava passage...”. Assim a plangência amorosa do cancioneiro de chapéu estrelado. Reminiscências e recordações daqueles idos aflitivos debaixo do sol e da lua. Ainda hoje o cangaço é tão apaixonante como provocador. Todo mundo ama e todo mundo odeia, mas ninguém deixa de acender uma vela para iluminar aquele negrume entre os carrascais. Eita vida, eita vida, meu Deus! Levanta e se ajunta que a macacada já faz poeira! Santinha, tu tá bonita que mais parece uma flor! São seus olhos meu Capitão, são seus olhos! Naquelas noites de breu, de vaga-lumes e pios arrepiantes, a solidão do coito e em todo mundo. Que vida, meu Deus. Que vida! “Lua lá em riba que desce e o meu oiá resplandece, então vejo a morena bonita que meu coração entristece”. E os espelhos do tempo refletindo aquelas faces de paixão e agonias. Lanhos da luta, marcas do sol, um perfume para iludir o suor, um enfeitamento pelo corpo inteiro para enganar as aparências. Ouro, prataria, anéis, dourados que refulgiam ao sol. O homem e sua riqueza única: o prazer da ilusão. Que vida, meu Deus, que vida! Um mundo que não era somente do corre-corre, da bala faiscando, do grito ecoando pelo ar. Um mundo que não era somente da fome e da sede, das cicatrizes e das angústias pelo duvidoso amanhã. Não. Um mundo também da plangência, da nostalgia, da fé, da religiosidade. E também do amor por cima de pedras e espinhos. Certa feita, estando um pouco afastado como em reflexão, Maria foi de mansinho até lá e se assustou com o que viu. Duas lágrimas desciam dos olhos de Lampião. “Que foi meu Capitão, por que esse veio d’água descendo dos olhos?”. “Nada não Santinha, nada não. Um danado de um cisco soprado no vento, apenas isso...”. Maria Bonita sabia que não era assim. Juntou-se a ele, abraçou-o como dois enamorados e disse: “Saudade de viver, não é meu Capitão? Mas fique assim não. Um dia vamos deixar essa vida. Um dia vamos deixar essa vida!”.



Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com

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